Organizações civis defendem a nova legislação. Para o relator Marco Bertaiolli (PSD-SP), mudanças em debate podem abrir um milhão de vagas no País, que tem hoje cerca de 430 mil aprendizes

 

 

O deputado Marco Bertaiolli

 

Redação Scriptum com Agência Câmara

 

A comissão especial da Câmara que vem discutindo o novo Estatuto do Aprendiz (PL 6461/19) realizou esta semana a primeira audiência pública para traçar um retrato do atual cenário e dos principais desafios desse tema. No evento, várias organizações da sociedade civil apontaram a proposta como efetivo instrumento de política pública para a juventude.

O relator do texto na Comissão, deputado Marco Bertaiolli (PSD-SP), reafirmou a intenção de usar o Estatuto do Aprendiz para desburocratizar a legislação, sem recuos nos direitos já previstos na atual Lei da Aprendizagem. “A nossa intenção é que preservemos os direitos e todos os valores da nossa legislação, mas passando a ter uma legislação moderna, simplificada e que não precise de normas infralegais colocadas em cada estado brasileiro. E que, para o empreendedor, seja fácil contratar um jovem aprendiz. É isso que queremos: abrir um milhão de vagas no país”, disse.

O texto trata de trabalho, formação profissional, direitos e garantias de jovens de 14 a 24 anos de idade, além dos direitos e obrigações dos estabelecimentos que adotam cotas para a contratação de aprendizes.

Superintendente-geral do Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee), Humberto Casagrande foi enfático ao falar de evasão escolar, violência, drogas e desalento entre jovens “nem-nem” — que não trabalham nem estudam.

Mas também revelou esperança diante da perspectiva de aperfeiçoamento da Lei da Aprendizagem, em vigor desde o ano 2000. “A situação é dramática. O índice de desemprego entre jovens de 14 a 17 anos é de 46%, e entre os de 18 a 24 anos, é de 31%. Segundo pesquisa que fizemos, um jovem entra no Programa do Aprendiz como ‘nem-nem’ e 76% deles saem estudando ou trabalhando ou fazendo as duas coisas. Ou seja, o resultado dessa política pública afirmativa é muito bom, com pouco mais de 20 anos dessa lei”, disse.

Vulnerabilidade

Além da Lei da Aprendizagem, o futuro Estatuto do Aprendiz também pretende condensar regras presentes na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e em outras normas. As organizações da sociedade civil apresentaram várias sugestões aos parlamentares, sobretudo quanto a prioridades para adolescentes e jovens com deficiência ou em estado de vulnerabilidade social e a maior participação de pequenas e médias empresas no uso das cotas de contratação de aprendizes.

O coordenador de Desenvolvimento e Participação de Adolescentes do Unicef, o fundo da ONU para infância, Mário Volpi, detalhou o programa “Um milhão de Oportunidades para Mudar uma Geração”, lançado no ano passado, e que já beneficiou milhares de jovens com vagas de estágio, emprego e formação profissional. A iniciativa do Unicef envolve 70 empresas, 48 organizações civis e seis governos estaduais.

Volpi espera que a alteração da legislação dê status de política pública a ações como essas. “Ela tem um potencial enorme de virar uma estratégia de desenvolvimento para o país, porque ela carrega em si a solução de um grande nó que temos na vida dos adolescentes e jovens, que é a transição positiva para o mundo do trabalho”, disse.

Aprendizagem

A diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Cláudia Costin, também aposta no estatuto como instrumento para a superação da crise de aprendizagem e do atual quadro de exclusão e desigualdade educacional. Mas, para isso, a executiva avalia que é fundamental articular a futura legislação com o “Novo Ensino Médio”, incluindo a aprendizagem no cotidiano das escolas em tempo integral.

“Ter ONGs, Sistema S e vários outros atores, mas também a educação regular incluída nisso, pois vai trazer a possibilidade de democratizar a educação profissional e tecnológica, fazendo uma inclusão produtiva qualificada dos jovens preparados para esse novo mundo do trabalho”, afirmou.

O presidente da Federação Brasileira de Associações Socioeducacionais de Adolescentes (Febraeda), Antônio Pasin, defende a aprendizagem como política pública intersetorial, envolvendo educação, trabalho e assistência social, sobretudo diante dos problemas socioeconômicos do Brasil agravados pela pandemia.

“A aprendizagem não é cessão de mão-de-obra, não é uma modalidade de terceirização. Ela já extrapolou a seara do trabalho. Ela é sim uma forma de geração de emprego, renda, inserção qualificada e protegida no mundo do trabalho, mas também é um importante instrumento de combate e erradicação do trabalho infantil. Na educação, combate a evasão escolar e aumenta o tempo de permanência no ensino formal”, disse.

Desburocratização

Segundo dados apresentados pelo Ciee, o país tem hoje cerca de 430 mil aprendizes e 80% deles completam o orçamento familiar. A remuneração total movimenta, em média, R$ 6 bilhões por ano. O Espro, organização focada em Ensino Social Profissionalizante, também apresentou pesquisa sobre o impacto da pandemia na vida dos jovens. Os dados revelam que 43% das famílias dos jovens tiveram redução de renda e salário. A perda de emprego é a terceira maior preocupação entre eles (87%), atrás apenas do temor de contágio (94%) e do impacto econômico (91%).