Fundadora da ONG União de Mães do Brasil relembra fatos marcantes de sua trajetória e defende criação de Centro para o atendimento de casos de desaparecimento

Clarice Barbosa: “Não conheço nenhuma política pública voltada para pessoas desaparecidas. O Estado é omisso.”

 

Uma vida dedicada à solidariedade. Assim pode ser definida a trajetória da educadora e uma das lideranças do PSD Mulher de São Paulo, Clarice Barbosa, fundadora da organização não governamental União de Mães do Brasil — Movimento Nacional de Busca a Pessoas Desaparecidas e Vítimas de Violência.

Sediada na capital paulista, a entidade recebe, diariamente, cerca de 100 pedidos de ajuda vindos de todo o País, e oferece amparo, divulgação e orientação profissional gratuitos aos que sofrem com a angústia pela ausência de seus familiares. “O desaparecimento é um luto permanente. Imagine a dor das mães que buscam por seus filhos 24 horas por dia sem saberem o que aconteceu”, afirma Clarice.

Apesar de nunca ter enfrentado o desaparecimento de alguém próximo, a capacidade de se colocar no lugar do outro e sentir a dor alheia inspirou a educadora a abraçar a causa. Antes de criar a ONG, há 15 anos, ela já tinha atuado como voluntária na Pastoral da Criança, distribuindo aos desnutridos a multimistura, alimento composto por farelos de arroz ou trigo, folhas de mandioca e sementes.

Aos 60 anos, Clarice conta com extenso currículo na área da assistência social, que inclui trabalhos como professora de artes plásticas de menores internos da antiga Febem (atual Fundação Casa) e experiências nas organizações portuguesas Ajuda de Mãe, que dá apoio a gestantes, e APAV, especializada no atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica.

Primeiro caso – Em 2002, a educadora ainda trabalhava como colorista de publicações infantis para grandes empresas — profissão que exerceu por 15 anos —, quando foi procurada pela mãe de um garoto de 12 anos, morador de Salvador. A mulher tinha ouvido relatos de que o filho, desaparecido há cerca de um mês, havia sido levado por um motorista de caminhão.

Desesperada, veio a São Paulo para divulgar o caso e pedir o auxílio de entidades que lidam com esse tipo de problema, quando ficou sabendo do envolvimento de Clarice com diversos trabalhos voluntários. “Esse caso me comoveu muito. A mãe já tinha passado por delegacias, hospitais, albergues, sem nenhuma resposta. Na época, ainda não tínhamos a ONG. Procuramos o SOS Criança e ajudamos a divulgar e a localizar”, relembra a educadora.

Felizmente, o menino, que havia fugido de casa, continuou na Bahia e foi encontrado com vida um mês depois, no município vizinho de Camaçari. Mas nem sempre ocorreu o melhor desfecho. Desde então, a líder da União de Mães do Brasil atuou em centenas de casos marcantes, como o de Simone Pinho, jovem baiana assassinada pelo serial killer José Vicente Matias, o Corumbá, e encontrada na cidade de Lençóis, na região da Chapada Diamantina, a cerca de 400 quilômetros de Salvador.

A educadora destaca que a violência doméstica e o envolvimento com drogas são fatores que contribuem para a fuga e o desaparecimento de jovens brasileiros, mas também acredita em outras causas, como o tráfico de pessoas.

Políticas públicas – O sofrimento é igual para qualquer um que procura por um ente desaparecido, mas as famílias de baixa renda são mais atingidas pela falta de assistência e de políticas públicas. Não são poucos os episódios de negligência por parte das autoridades relatados por Clarice. “Atendemos a uma senhora que há mais de 20 anos está esperando para fazer o DNA do filho e não consegue porque o Estado não libera o exame. O descaso é muito grande. Ela jura que o corpo enterrado não é o do filho e os pertences entregues quando houve o sepultamento também não são”.

Ainda segundo a educadora, em São Paulo, metrópole onde 92 pessoas desaparecem todos os dias, há somente um órgão especializado nesse tipo de caso, o Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP). “O trabalho deles é ótimo, mas ainda é pouco em uma cidade deste tamanho. O Estado é omisso e precisa dar uma resposta às famílias. Não conheço nenhuma política pública voltada para isso”, frisa Clarice, que defende a criação do Centro de Referência para Familiares de Desaparecidos.

O projeto começaria em São Paulo e depois poderia ser estendido para todo o território nacional. Além de reunir informações precisas sobre as ocorrências, o Centro ofereceria serviços como assistência jurídica, psicológica, encaminhamento aos órgãos competentes, produção de cartazes impressos e eletrônicos e divulgação em mídias digitais, rádios e emissoras de TV.

Somente neste ano, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou pela primeira vez um estudo com o número de desaparecidos no País entre 2007 e 2016, período em que foram registrados 693.076 casos. “Digo para a mãe nunca desistir de procurar seu filho. É preciso manter a esperança, sempre”, ressalta a fundadora da ONG.