Cientistas sociais reunidos pelo Espaço Democrático analisam o peso das corporações sobre as reformas que o País precisa. Eles acreditam que já existem sinais de mudança

Coordenado pelo jornalista Sérgio Rondino, encontro foi transmitido ao vivo pelo Facebook

 

O corporativismo, um traço característico da cultura brasileira, vem dificultando ou mesmo impedindo as reformas estruturais que o País necessita para colocar sua economia em linha com as nações mais avançadas. Mesmo assim, há esperanças de que essa resistência diminua ao longo do tempo. Essa foi a conclusão de um debate que reuniu cientistas políticos , economistas e sociólogos nesta quinta-feira (15), na sede do Espaço Democrático – a fundação do PSD para estudos e formação política –, para analisar o papel das corporações no Brasil. O encontro, coordenado pelo jornalista Sérgio Rondino, foi transmitido ao vivo pelo Facebook.

 Veja aqui a íntegra do debate em vídeo

O conceito de corporativismo foi explicado pelo cientista político Rogério Schmitt. Segundo ele, o termo é empregado de duas formas diferentes. No entendimento mais comum, corporativismo é a ação de grupos organizados em defesa de causas próprias, muitas vezes contrárias ao interesse geral. No mundo acadêmico, porém, a palavra é usada para denominar a corrente de pensamento que defende o papel do Estado como mediador dos conflitos políticos.

Segundo ele, “os adeptos dessa corrente de pensamento não concordam nem com o liberalismo nem com o socialismo e têm o fascismo italiano como um modelo”. Schmitt destacou também que a estrutura sindical brasileira foi montada por Getúlio Vargas com base nesse modelo.

Para o economista Luiz Alberto Machado, porém, as raízes do corporativismo entendido como defesa de interesses de grupos específicos podem ser mais antigas. Ele lembrou que muitos historiadores atribuem a origem do patrimonialismo (falta de distinção, por parte de políticos e funcionários, entre o patrimônio público e o privado) ao passado colonial brasileiro. “Aqui, o Estado surgiu antes da Nação. Ainda como colônia, importamos da metrópole os burocratas, o clero e os militares. Como chegaram antes de haver brasileiros propriamente ditos, essas categorias sempre dominaram a política no País”, explicou.

Por sua vez, o cientista político Rubens Figueiredo citou números que mostram as distorções geradas pela preponderância do corporativismo sobre os interesses públicos. Lembrou, por exemplo, que os fundos de pensão de empresas estatais movimentam hoje, no Brasil, o equivalente a 15% do PIB e têm em seus cargos de comando sindicalistas com ambições eleitorais. “Outra situação que vem sendo destacada pela imprensa se refere aos benefícios dos integrantes do poder Judiciário, que custam ao País R$ 7 bilhões por ano para atender cerca de 42 mil funcionários públicos. Isso equivale a 25% do que é gasto com o programa Bolsa Família, que atende 14 milhões de brasileiros”, disse Figueiredo.

Outras distorções foram apontadas pelo cientista social Túlio Kahn, especialista em segurança pública. Ele destacou iniciativas como a recente proposta de alteração do texto da reforma da Previdência, garantindo pensão integral às viúvas de policiais mortos em serviço. “Ou seja, num momento no qual vivemos uma gravíssima crise de segurança, o esforço é para garantir benefícios, não para combater as causas do problema, reduzindo as mortes de policiais”, disse.

Segundo ele, essa tem sido a tônica da atuação da chamada “bancada da bala”, o grupo de parlamentares que, na Câmara e nas assembleias estaduais, defende os interesses das categorias policiais. “Boa parte das iniciativas desse grupo é dedicada às demandas da classe e o agravamento da crise de segurança levará a uma representação cada vez maior dessa categoria, aumentando sua força na defesa de seus interesses”, alertou.

Esperança – O professor de Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), Hélio Michelini Pelaes Neto, no entanto, disse acreditar que é possível buscar uma situação de equilíbrio, garantindo-se também espaço para a defesa de grupos menos poderosos. Para ele, o caminho passa pela regulamentação da atividade de lobby. “Ao estabelecer a identificação de quem defende o interesse de quais categorias, é preciso ressaltar a importância da transparência, do diálogo, da igualdade de acesso e da ética”, disse.

Rubens Figueiredo, a propósito, afirmou que o processo de redução de poder das corporações já avançou alguns passos com a reforma trabalhista e pode prosseguir com outras iniciativas, a exemplo do processo de privatização. Rogério Schmitt também crê em avanços nesse sentido, na medida em que for possível fazer a sociedade avançar no sentido de ter mais transparência, mais democracia, mais capitalismo e mais concorrência. “Mas não será do dia para a noite, as pessoas reagem a incentivos e as mudanças são graduais. Então acho que esse será o desafio do Brasil nas próximas décadas”, afirmou.

Para o advogado e professor de ciência política Marcos Paulino, convidado especial para o debate, o avanço nesse campo passa também por uma melhor compreensão do papel das corporações. “Nas democracias, as corporações têm um papel importante a desempenhar na sociedade, mas é preciso criar condições para que essa força não seja usada contra o interesse público”, disse, concluindo que “é preciso fazer um esforço sobre-humano, pessoal, para que as corporações cumpram, de fato, o papel positivo que devem ter”.