Em editorial, jornal afirma que o problema de abastecimento de água é antigo e as soluções não podem se restringir a medidas de emergência, como o racionamento.

Folha de S. Paulo – Editorial

O abastecimento de água na Grande São Paulo chegou a um ponto crítico. A fim de evitar o racionamento e a exaustão do sistema Cantareira, são tomadas medidas extremadas, como investir em equipamentos para extrair as reservas restantes ou recorrer a represas menos esvaziadas da região.

O racionamento seria sem dúvida um transtorno. O governo de Geraldo Alckmin (PSDB) não quer restringir o consumo d’água antes do final da estação de chuvas. As autoridades, porém, não deixam claro se a aposta na generosidade celeste é tecnicamente responsável.

Caso não chova o bastante, essa demora pode causar ainda mais prejuízo no período de seca? Espera-se que o governo paulista não esteja penhorando o futuro ao adiar, em nome das eleições, uma medida impopular.

O debate deveria ir muito além da administração da emergência. Após uma década de relativa segurança nessa área, nota-se que o equilíbrio entre oferta e demanda de água é precário em São Paulo.

Como observa a própria Sabesp, responsável pelo abastecimento metropolitano, a região padece de escassez semelhante à de localidades desérticas. A água disponível equivale a menos de 15% do patamar que a ONU considera crítico.

Sabe-se ao menos desde 2009 que dois anos de seca levariam a uma crise, cujas razões são conhecidas há décadas por especialistas.

Parte do problema se deve ao crescimento insustentável da cidade: poluente e regressivo em termos sociais. A despeito das recentes iniciativas de contenção ambiental, represas e rios da metrópole recebem esgotos e dejetos industriais. Tal situação é agravada pela ocupação desordenada das áreas de mananciais, em geral por segmentos mais carentes.

Há desperdício na produção e no consumo. A perda da água na região metropolitana equivale a 40% da capacidade do sistema Cantareira, que abastece 8,8 milhões de pessoas. Vê-se nas ruas o desperdício em atividades como lavagem de calçadas –sintoma de que o uso excessivo é ainda barato demais.

Tratamento de esgoto e de poluentes industriais, redução de perdas, consumo racional e reutilização da água são medidas que obviamente levam décadas para surtir efeito. Mas esse é o tempo do desenvolvimento de infraestruturas eficientes –e não há como deixar de lembrar que o PSDB comanda o Estado de São Paulo desde 1995.

A alternativa são crises periódicas de abastecimento, o encarecimento proibitivo das obras de captação e distribuição de água ou perdas econômicas devido a investimentos abortados pela escassez.

Discute-se agora solução imediata. Espera-se, de fato, que o governo paulista coloque a prudência à frente do calendário eleitoral. E que aproveite a oportunidade para mudar o modo como se encara o problema da água, até aqui tratada como um bem que cai dos céus.