Em entrevista, prefeito diz que pretende continuar na vida pública, admite que pode concorrer a governador do Estado em 2014 e fala sobre o PSD.

O maior problema que Fernando Haddad (PT) vai enfrentar é a situação financeira da Prefeitura de São Paulo. Quem fala é o terceiro prefeito com mais tempo no cargo na história da cidade, Gilberto Kassab (PSD), que termina amanhã seu mandato.

Kassab recebeu a Folha no início da noite de quinta-feira em seu gabinete praticamente vazio. Gavetas e armários já estavam limpos. Sua mesa de trabalho ainda tinha dois computadores ligados e uma pilha de papéis, a maioria portarias de exoneração de funcionários de confiança.

Ele afirmou que pretende continuar na vida pública, admitiu que pode concorrer a governador do Estado em 2014, falou sobre os possíveis candidatos do PSD a prefeito em 2016 e elogiou Haddad.

Folha – O sr. está terminando o mandato como o terceiro prefeito que ficou mais tempo no cargo, mas com avaliação ruim nas pesquisas de opinião. Para quem pretende ter um futuro político, não é ruim sair com avaliação ruim?
Gilberto Kassab – Primeiro, a avaliação é um sentimento da população que muda com o tempo. Pega a última pesquisa Ibope, 30 dias atrás deu avaliação de 19% de “ótimo e bom” e agora está dando 27%. Temos avaliações que o partido faz rotineiramente e tivemos uma avaliação de 34% de “ótimo e bom”. Cada pesquisa tem um momento, cada semana é um momento, cada dia é um momento, mas existe uma tendência, passado o período eleitoral, de as pessoas passarem a tomar consciência das realizações da gestão.

Ao longo do processo eleitoral, as pessoas tomaram consciência dos problemas da cidade. Eu tive duas experiências como prefeito da cidade. A primeira, eu prefeito e eu candidato à reeleição, em que tivemos oportunidade na campanha de ir mostrando as realizações da prefeitura e ir conquistando patamares de aceitação da cidade em relação à gestão e em relação à própria candidatura. O “ótimo e bom” foi aumentando, a candidatura também tendo patamares importantes. Depois, uma segunda oportunidade, em que eu não fui candidato. E por mais que houvesse, e há, identidade entre o candidato Serra e a nossa presença na campanha, mas o candidato, quando ele não está à frente do Executivo, ele não é cobrado. As pessoas cobram ele pelo futuro.

Não existe uma vinculação direta com a gestão, e é correto que não exista. As pessoas querem saber o que o candidato vai fazer daqui para a frente. Passado esse período no qual as realizações foram menos abordadas do que na nossa candidatura, a percepção da cidade volta a ser mais favorável. Eu tenho uma confiança muito grande de que, com o tempo, a avaliação tende a melhorar.

Se tivesse tido uma defesa melhor na campanha…
Não, não. Não estou querendo relacionar com a campanha propriamente dita, e o Serra fez o que tinha de fazer. Ele se posicionou corretamente, com muita lealdade, da maneira como é correto alguém que não é o titular tenha de se posicionar.

No começo do ano, quando se falava da sua avaliação, o sr. dizia que a tendência é de que melhoraria na campanha.
Eu não tinha tido essa experiência ainda. E agora, passada a campanha, é diferente. Era um equívoco meu. Eu participei da campanha e vi que realmente a administração vai sendo deixada de lado porque os candidatos, todos eles, focam os problemas. E São Paulo é uma cidade que ainda tem muitos problemas, não foi a nossa gestão que acabou com os problemas, nem será a do Haddad nem a do sucessor dele.

Durante a campanha, o Haddad acabou batendo muito no senhor, dizia que era o pior prefeito que São Paulo teve…
Todos os candidatos focam os problemas da cidade. É o processo eleitoral. Findo o processo eleitoral, a tendência é que as atenções se voltem também para as realizações, não para os problemas.

Durante a campanha o sr. mesmo foi a público criticar o Haddad, como no caso do incêndio na favela, quando ele criticou a sua gestão.
Eu sempre fui muito cuidadoso, muito criterioso nas minhas manifestações, e ele também. Acho que sempre teve muito respeito, no limite do bom senso.

Agora, no primeiro dia após a eleição, o sr. disse que iria se dedicar a ajudar o novo prefeito e tem feito isso durante a transição, conforme declarações do próprio Haddad.
Eu teria esse comportamento com qualquer que fosse o prefeito eleito. Não apenas um comportamento pessoal, mas a recomendação à equipe. Até porque, depois de sete anos de gestão, é evidente, qualquer que fosse o prefeito vencedor, ele estaria distante da gestão da cidade, pois estamos aqui há oito anos, e é fundamental a transferência desse conhecimento, o apoiamento, principalmente no início, para que haja solução de continuidade nas ações que a prefeitura implanta na cidade.

O sr. espera que este sinal que o sr. dá agora, o PT retribua no futuro?
Não tenho essa preocupação. Estou fazendo isso por espírito público e o sentimento de que é minha obrigação como prefeito. Faria isso com qualquer um que tivesse sido eleito.

O sr. acha que o PT vê o sr. com mais bons olhos hoje do que em 2008?
Em 2008 eu estava num partido adversário, que no plano nacional tinha dificuldades de convivência com o PT. Em2012, asituação partidária é outra. Existe um clima mais favorável para o diálogo, para a cooperação, mas isso não implica compromissos de futuro.

Se a candidata fosse a Marta, seria um comportamento diferente?
É muito difícil falar sobre hipóteses. O Haddad acabou sendo uma candidatura feliz, foi vitoriosa. Tínhamos já um início de entendimento feito com muita clareza, talvez até seja o ponto mais positivo, do ponto de vista político, da nossa atuação, sempre a clareza, a honestidade, a franqueza. Isso faz com que as pessoas possam divergir, mas respeitam.

Para o sr., por que o Haddad ganhou a eleição? Qual foi a promessa dele que mais cativou o eleitor?
Eu acho que, numa cidade como São Paulo com tantos problemas, apesar de ter uma gestão que realizou muito, o sentimento de mudança, como a campanha do próprio Haddad dizia, é muito presente. Eu representei o sentimento de mudança num determinado momento. O Haddad representou. A Dilma representou. Mudança não está relacionada à idade, está relacionada à mudança efetivamente. Acho que o sentimento de mudança prevaleceu, ajudou bastante a sua vitória.

O sr. tem dito que estaria à disposição para ser candidato a governador. O PSDB já está há 20 anos no governo. O sentimento de mudança pode jogar a seu favor em 2014?
O que eu tenho dito, quando me perguntam em relação ao partido, é que existe uma diretriz recomendando aos Estados que dêem prioridade à candidatura própria. É natural num partido que acaba de ser criado que tenha um esforço para priorizar a candidatura própria. Até porque isso fortalece o partido, fortalece suas raízes com os Estados, com o eleitor.Em São Paulo não é diferente. Isso não quer dizer que o candidato deva ser eu. E isso é uma diretriz, vai ser dada uma prioridade, não é nada impositivo. Mas eu concordo, acho que um partido novo, para se consolidar, tem de fazer um esforço muito grande para ter candidatura própria, isso ajuda muito para que o partido possa se expor, expor suas ideias, seus quadros.

E quem seria o melhor quadro no Estado de São Paulo para isso?
Acho que tem de ser definido. Pode fazer o convite para alguém se filiar. Não está em discussão.

A discussão é só da diretriz?
A discussão é fazer um esforço para ter um candidato.

O sr. topa a parada, se precisar?
Se tiverem circunstâncias e tiver o apoio partidário, não tem porquê [topar]. Seria uma honra muito grande ser candidato e, em caso de vitória, servir ao Estado. Como foi ser prefeito de São Paulo.

O sr. completa 20 anos em cargos eletivos.
Fiquei dois anos como vereador, quatro na Assembleia, seis no Congresso e oito na prefeitura.

Após 20 anos seguidos, o sr. vai conseguir ficar sem um cargo?
Eu tenho já duas missões. Uma, eu recebi um convite da USP, aceitei, e vou ficar lá como residente aproximadamente um ano e meio criando um núcleo de estudos voltado à gestão de cidades. Vai ser desenvolvida uma série de pesquisas, uma série de parcerias no campo nacional e no campo internacional. E também vou ter uma atuação no campo partidário, como dirigente do partido. Então, vou ter bastantes tarefas.

Depois disso seria o quê? Candidatura ao governo, Senado, ministro…
A vida pública você não precisa necessariamente ser candidato. Você pode desde cuidar de creches até ter responsabilidades maiores. Não tenho nenhuma ansiedade em relação ao que fazer. No ano que agora se aproxima,2013, amissão já está definida. Ao longo do ano acaba surgindo com naturalidade o que será o desdobramento para 2014.

Com aproximação com o PT e distanciamento do PSDB?
No plano nacional existe essa aproximação com o governo da presidenta Dilma. Isso é natural porque um partido que acaba de ser criado tem muita dificuldade de ter, já na primeira eleição, uma candidatura a presidente da República. Então, é natural uma aliança e é natural uma aliança com a candidatura da Dilma, porque existe essa proximidade, ela conquistou essa aproximação. Eu falo isso do ponto de vista pessoal. O partido vai precisar referendar, se manifestar, mas ela tem conquistado esse espaço dentro do partido e tem sido uma boa presidente, no meu entendimento, pelo menos.

O sr. projeta para quando o PSD ter candidato a presidente?
A partir da segunda eleição, 2018, acho que já é possível ter. A candidatura a presidente, para que ela seja consistente, tem de ter circunstâncias muito favoráveis. No primeiro era praticamente impossível, no segundo poderá vir a ter circunstâncias. É muito cedo pra falar. Vamos passar por 2014 antes.

O sr. se vê hoje mais próximo do PT do que o PSDB também no Estado de São Paulo?
Eu vejo, no processo eleitoral de 2014, uma tendência de um projeto de candidatura própria.

Antes de 2018 tem 2014 e 2016 também. O partido deve pensar a voltar a administrar a cidade?
Qualquer partido tem de ter em mente ocupar o espaço majoritário na eleição. Com certeza não serei eu o candidato do partido.

Nos quadros do partido, quem o sr. projeta como possíveis nomes para prefeito em 2016?
O partido tem bons quadros hoje.

Por exemplo?
Tem o Alexandre Schneider, tem o Marcos Cintra, o Miguel Bucalem. Tem bons quadros. Não quero ser injusto porque realmente é uma equipe que se revelou muito competente, com muito espírito público, cada um com suas qualidades, mas muitos quadros.

O sr. deixa algumas marcas na prefeitura e promessas não cumpridas. Me parece que a principal marca da segunda gestão é a ciclofaixa e a ocupação do espaço público. O sr. concorda?
É a ocupação do espaço público, seja pelas pessoas, seja pelos veículos. Vamos aqui relembrar a restrição em relação aos fretados, que se consolidou na segunda gestão. A ocupação das calçadas pelos pedestres. O combate à ocupação dos camelôs que vendiam carga ilegal, os camelôs que vendiam produto pirata. O projeto dos shoppings populares, que é um espaço público. A restrição à circulação do abastecimento na cidade durante o dia, passando para a noite. A ocupação do espaço pelas bicicletas, ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas, que foi um sucesso.

Tivemos domingos com 130 mil pessoas na ciclofaixas e nossa expectativa é que em quatro anos possamos ter 250 mil pessoas aos domingos andando de bicicleta em São Paulo. É um sucesso, está se tornando um case. A cidade do Rio de Janeiro acaba de adotar a ciclofaixa, a cidade de Brasília acaba de adotar a ciclofaixa, então está sendo referência. Como tem sido referência a Lei Cidade Limpa.

Acabamos de inaugurar o primeiro abrigo na frente do Theatro Municipal. É extraordinário, se você relembrar o que era a cidade e o que é hoje. A campanha de pedestre. Essa marca é uma marca forte, sempre ao lado das intervenções na saúde e na educação, que são muito expressivas, foi realizado muito nessas duas áreas, tem muito o que ser feito ainda, mas se nós mantivermos esse ritmo nós vamos ter uma situação muito favorável na qualidade do ensino.

O sr. abriu 150 mil vagas em creches. A Marta construiu 21 CEUs. Ela tem a marca dos CEUs, mas é difícil dizer que o Kassab tem a marca das creches.
Na educação nós temos a marca da eficiência. Isso marca para o usuário. Vamos dizer que sejam 2,3 milhões, 2,5 milhões de pessoas. Ele é muito positivo na sua visão na gestão para a educação. Ele tem a oportunidade de recuperar esse processo na sua memória e acaba avaliando bem. Em relação à saúde não é diferente. São 7,5 milhões de usuários que são muito bons. Na hora que você vincula o serviço à gestão, cresce. Isso é só com propaganda partidária, porque é ilegal qualquer outro tipo de propaganda. É isso que eu tenho dito, não é possível que essa avaliação não melhore, como melhorou quando da nossa reeleição.

Não há o risco de as pessoas avaliarem isso como do prefeito Haddad?
Até pode ter essa avaliação, mas no momento em que elas têm oportunidade de recuperar esse processo na sua memória, não.

Também tem as marcas do sr. não fez. Em 2008, as principais promessas eram três hospitais,60 kmde corredores de ônibus, e aqueles ônibus bonitos, modernos, R$ 1 bilhão para o Metrô. O sr. não cumpriu nenhuma dessas três promessas.
Para o Metrô foi sim. Foi nesta gestão.

O sr. prometeu R$ 1 bilhão na primeira gestão e R$ 1 bilhão na segunda gestão, R$ 2 bilhões no total.
Não são R$ 2 bilhões. Na outra, encerrou a gestão e não foi R$ 1 bilhão. E foi justificado. Encerrou. Tínhamos o compromisso de, nesta gestão, transferir R$ 1 bilhão.

Mais R$ 1 bilhão.
Na média, R$ 1 bilhão por gestão. Mas na primeira gestão não foi. Então, nós definimos que a nossa meta, que poderíamos não ter atingida, mas foi atingida, era R$ 1 bilhão. E assim foi R$ 1 bilhão.

O sr. cumpriu a promessa da primeira gestão na segunda gestão. É isso?
Não é a primeira na segunda. Quando nós fizemos a campanha, prometemos R$ 1 bilhão.

O sr. falava: já passei R$ 1 bilhão, vou passar mais R$ 1 bilhão.
Não, não, não. Pode até recuperar. Eu dizia que estávamos passando, tínhamos passado quatrocentos e poucos milhões, e na próxima gestão, nessa forma, iriam vir tantos. Eu deixava claro que estavam garantidos. E completaríamos R$ 1 bilhão, e completei. Fui bem claro. Tanto é que isso ninguém nem questiona.

Eu questiono, prefeito. O sr. não falava isso, não.
Não, não, não.

De qualquer maneira, os hospitais e os corredores de ônibus, o que emperrou neste caso?
Os hospitais nós estamos sendo ousados. Deixamos o modelo para a próxima gestão, que vai ser evidentemente analisado, de parceria público-privada que nos permitiria não apenas construir, mas reformar e ampliar toda a rede. Acabou, num determinado momento, sendo paralisado pelo Tribunal de Contas. Depois veio o processo eleitoral e nós entendíamos que não era bom retomar, deixaríamos para a próxima gestão. E não cumprimos essa meta. Cumprimos outras. Em oito anos de gestão criamos mais de mil leitos, cinco novos hospitais, dois deles construídos –Cidade Tiradentes e M’Boi Mirim. Tivemos avanços.

Em relação ao corredor, demorou um pouco, mas nós avançamos bastante. Nós definimos o trajeto, conseguimos licitar para elaboração do projeto. Depois, com o projeto, fomos a Brasília, habilitamos no PAC para que pudesse receber recursos. Os recursos estão garantidos. Depois iniciamos o processo de licitação para a realização da obra. Esse processo está bem adiantado. Poderia até estar finalizado esta semana, mas é normal, são questões de licitação, mas com certeza nas próximas semanas estará sendo encerrado. Não avançamos 100%, mas avançamos bastante.

O sr. não acha que é ousado, ou irresponsável, seja lá que palavra usar, prometer uma coisa na campanha depois não cumprir e dizer que deixou encaminhado?
Tudo que você fez é muito gratificante. Tudo que não foi feito é muito frustrante. O importante é que todos tenham a certeza do dever cumprido, que foi feito o melhor possível. Os imprevistos acontecem, por isso que é plano de metas. Ou seria um plano impositivo, até haveria penalidades. Essa própria lei que eu lutei muito, batalhei para que ela fosse aprovada, ela não prevê penalidades. Ela é apenas a obrigatoriedade que tem o poder público de prestar contas do andamento dos trabalhos para a cidade, para que a cidade possa acompanhar a gestão. Não é impositivo, a lei é assim. A lei é muito sábia, eu defendo a lei, acho importante, porque ela nos permite justificar porque foi feito, porque não foi feito, de que maneira foi feito, e permite à sociedade acompanhar.

O Haddad prometeu 150 km de corredores de ônibus, 55 mil casas populares. O sr. diz que a eficácia do plano de metas foi de 81%.
Então, vamos dizer que o Haddad faça 27.500 casas. Vai falar que a meta é zero? Claro que não. Ele concluiu 50%.

O sr. acha que dá para fazer 150 km de corredores e 55 mil casas?
Eu torço que sim.

É possível?
Circunstâncias podem haver. Ele está com praticamente 70 km garantidos. Você vê que tem já um bom começo. Eu torço para o seu sucesso. O sucesso dele é o sucesso da cidade de São Paulo, que é a minha cidade.

Ele tem dito que vai praticamente desfazer duas coisas que o sr. fez. Uma delas é a inspeção veicular, que ele vai manter, mas desidratada e sem cobrança de taxas. O sr. concorda com isso?
São duas coisas distintas. Em relação a cobrar ou não cobrar, é uma decisão política, ele tem toda legitimidade. Nós cobramos do proprietário, porque eu não acho justo que quem não tenha carro pague uma participação numa taxa junto com quem tenha carro, não acho justo. No outro campo, é uma decisão de natureza técnica. É importante que haja embasamento técnico porque é algo muito sério.

Eu prefiro me manifestar depois do programa implantado. Positivo é que ele vai manter o programa. Eu espero que ele faça o menor número possível de alterações, porque é um programa muito importante para a cidade de São Paulo. E é evidente que no futuro, com os resultados, ele vai ser cobrado pelos erros e pelos acertos. Mas aí é no campo técnico.

Ele vem dizendo que o contrato está sendo contestado.
Isso é público. O Ministério Público diverge, nós entendemos que o Ministério Público está errado, para isso existe o Poder Judiciário. O Ministério Público nem sempre está certo. Tenho enorme respeito pelo Ministério Público, mas, pelo menos ao longo da nossa gestão, em diversas oportunidades, o Ministério Público acabou perdendo no que diz respeito ao seu ponto de vista no embate com o Poder Executivo –e o Poder Judiciário arbitrou em favor da prefeitura. Em diversos casos foi em favor do Ministério Público. Esse é o papel do Ministério Público.

Outra coisa é a Nova Luz. Ele diz que não concorda com esse modelo de concessão urbanística e vai refazer o modelo.
Me parece que ele deixou mais ou menos claro que está muito feliz que avançou bastante, inclusive tem o licenciamento ambiental que lhe permite implantar imediatamente o projeto. E vai fazer os aperfeiçoamentos que ele julga adequado. Ele não tem grandes divergências.

Tem em relação ao modelo econômico, que é o principal.
O modelo econômico não é o principal. O principal lá é a implantação do projeto urbanístico. O modelo econômico ele vai definir outras formas, estudar outras formas, mas o importante é que ele esteja de acordo com o projeto e ele vai fazer dentro das possibilidades para manter o licenciamento. Acho a postura dele correta. Não tenho preocupação. Teria preocupação se alguém não fosse fazer a implantação do projeto, rediscuti-lo, porque é um projeto tão grande que só pela rediscussão iam dois ou três anos.

Por outro lado ele tem falado muito bem da situação financeira da prefeitura. O sr. acha que a situação financeira é boa?
É positiva, ela é boa no sentido da estabilidade. São Paulo não tem dívidas com fornecedores, tem dinheiro em caixa para os restos a pagar, tem recursos livres para os investimentos necessários, porém nas fontes que dizem respeito ao Tesouro, a fonte, a situação é muito apertada, muito preocupante. Não tem vinculação com a qualidade da gestão. Tem sido preocupante para nós e será preocupante para ele por conta dos pesados encargos com o pagamento da dívida, mais de R$ 4 bilhões por ano. Essa rediscussão existe lá em Brasília, está na sua fase final, eu tenho a expectativa bastante grande de que São Paulo, nos próximos meses, possa estar convivendo, já no início do ano, com a finalização dessa discussão e, com isso, São Paulo ter um fôlego maior para os investimentos com seus recursos.

O sr. acha que isso vai ser equacionado rapidamente?
Acho que sim. Tem muito boa vontade da presidenta Dilma, do ministro Mantega, que estão acelerando essa finalização e acredito que estejam até esperando a posse dos eleitos, é natural, compreensível, para entrar na finalização disso.

Não foi concluído antes por questões técnicas ou políticas?
Técnicas.

Se fosse um prefeito do PT teria sido mais rápido?
Não. A Marta era do PT e não conseguiu. É circunstância. Hoje está claro que precisa haver essa renegociação. As circunstâncias da economia são diferentes. Hoje existe uma convicção que não existia nem no governo da Marta, que era do PT.

O sr. daria alguma recomendação para o Haddad sobre quais medidas ele deveria adotar no início do governo?
Se ele pedisse e eu pudesse dar uma recomendação eu daria uma recomendação vinculada a uma ação bastante rápida na reavaliação de todos os contratos da prefeitura. Não no campo moral, porque hoje com a transparência, com a oportunidade que tem a imprensa, o cidadão, o Ministério Público de acompanhar quase on-line, não tenho nenhuma preocupação no campo moral. Mas no campo administrativo mesmo.

Depois de oito anos de uma gestão é muito possível que alguns contratos possam ser readequados. A demanda que existia em relação àquele contrato talvez não seja mais a mesma, tenha diminuído. E a inércia da prefeitura, uma prefeitura muito grande por conta da dimensão da cidade de São Paulo, não permite às vezes tomar essa decisão a não ser em momentos como este, início de uma gestão. É um momento muito favorável e eu, se fosse ele, não perderia essa oportunidade. A qualquer que fosse o prefeito eu faria essa recomendação porque é muito oportuno, depois de oito anos de gestão, que eles sejam reavaliados.

Se o sr. estivesse entrando agora o sr. faria a mesma coisa?
Faria, de uma maneira respeitosa. Não estou dizendo que tenha irregularidade. Eu acho uma necessidade.

Qual é o principal problema que o Haddad vai enfrentar? É enchente?
Não. É a difícil situação financeira da prefeitura. Esse é o grande problema. A prefeitura está numa situação financeira muito difícil, R$ 4 bilhões pagos anualmente ao governo federal é muito recurso para uma cidade como São Paulo. Sobra muito pouco recurso para investimentos.

Hoje a prefeitura depende muito dos convênios com governo do Estado e governo federal. São Paulo é a terceira cidade do mundo, requer investimentos muito pesados, a cidade não está pronta, esse é o grande desafio dele. Ele conseguindo finalizar essa discussão com o governo federal junto com os prefeitos e governadores, poderá sobrar recursos para investimentos.

Hoje, mais uma vez, estamos fechando o ano e pessoas dizem que a prefeitura está nadando em dinheiro com R$ 6 bilhões em caixa. Nós temos R$ 2,5 bilhões já destinados a restos a pagar. Então, esse recurso não existe, já foi gasto esse dinheiro. E R$ 3,5 bilhões livres, mas vinculados para a saúde, educação, operações urbanas. É uma situação muito difícil. Ele conhece a área financeira, já ocupou cargo na Secretaria de Finanças, tenho certeza que deve ter essa como sua principal preocupação. Porque, com recursos, você consegue enfrentar melhor os desafios. Daí sim, os grandes desafios que ele tem pela frente no campo da saúde, educação, habitação.

Qual é o momento mais difícil para um prefeito? É quando morre gente em enchente, quando tem de aumentar a tarifa de ônibus e tem protesto, quando aumenta o IPTU?
O importante é que qualquer ação tenha justificativa.

Qual momento o sr. se sentiu mais desgastado?
Foram os dois acidentes que eu vivi, o do Metrô e o da TAM.

Não tinham ligação direta com o prefeito.
Tem com a cidade, sim. É em solo paulistano. A maior cobrança que existe, aquela que dói mais, é a vinculada às demandas de saúde e educação. E também a mais gratificante. Quando você está circulando pela cidade, recebe o abraço de uma mulher que você nem conhece e diz “obrigado, meu filho está com uma escola melhor, motivado”.

E o momento mais triste é justamente o contrário, quando você encontra uma mãe, um pai, triste com alguma coisa que aconteceu na escola dos seus filhos. Educação e saúde são prioridade para qualquer ser humano. Para si próprio, para seus filhos, seus pais. São os momentos mais felizes e também os momentos mais difíceis, mais tristes. Tanto é que, se você pegar nos últimos anos as pesquisas da cidade de São Paulo, elas colocam como pontos positivos de avaliação geralmente a saúde e pontos negativos também saúde, e da mesma maneira educação.

Não é duro ver uma pessoa morta numa enchente, numa área de risco, num córrego que alagou, a obra estava no Orçamento e não foi feita?
Felizmente é uma área em que a gente avançou bastante. Tivemos poucos acidentes na cidade de São Paulo. Investimos aproximadamente R$ 1 bilhões por ano. Fizemos um estudo com o IPT que nunca tinha sido feito na história de São Paulo. Identificou, esse estudo, as áreas mais críticas, a necessidade de remover famílias nas áreas mais críticas. Todas as famílias foram removidas, todas elas, nós investimos em urbanização, beneficiamos quase 200 mil famílias, recebemos um prêmio da ONU, um prêmio disputadíssimo.

Foi investido muito em habitação, em área de risco, em obras antienchente. Vamos aqui deixar claro que nenhuma gestão vai conseguir resolver o problema de enchente, mas ela pode contribuir, melhorar. Nós fomos muito positivos em duas questões: nas realizações, vamos lembrar do Jardim Romano, do Aricanduva, do Pirajussara, da limpeza dos piscinões, dos córregos, programa Córrego Limpo, e vamos aqui lembrar do legado.

Assim como pudemos realizar essas obras, algumas já licitadas, vamos fazer justiça, nós deixamos um legado importante de obras iniciadas para o prefeito Haddad que vai permitir a ele também avançar nesse campo.

A cidade de São Paulo melhorou muito nos últimos anos na questão da drenagem, na questão das enchentes, mas está satisfatório? Não. Importante é que melhorou muito. Ao longo da gestão do prefeito Haddad vai melhorar muito porque tem ele oportunidade já de estar iniciando as obras do Zavuvus, na zona sul, do Ponte Baixa, na zona sul, no Sumaré, na Água Branca.

E os momentos de escândalos, como os casos da Subprefeitura da Mooca e do Aref?
Foram punidos exemplarmente. A cidade de São Paulo deu um exemplo de rigor, de parceria com o Ministério Público e com as polícias, e esse exemplo também é um legado. Convivendo com a transparência, convivendo com a vinda de bons quadros para o poder público. Onde aconteceram suspeitas foi a prefeitura muito rápida na apuração, nas parcerias, tanto é que o próprio Ministério Público já se manifestou pela isenção da prefeitura, com essas questões bem localizadas, as polícias também. Ficou o exemplo de uma ação muito rigorosa.

Vai sentir saudade, prefeito?
Vou.

Mas não volta mais?
Não, não volto. Gostei de ser prefeito, mas, assim como tenho saudades de todas as fases da minha vida, vou ter saudades da prefeitura também, acho que é muito positivo. Acho que não ter saudades seria um sentimento muito ruim. Vou ter bastantes saudades, gostei muito, convivi aqui com uma excelente equipe, conheci melhor a cidade, fiz amigos. Fiz amigos na imprensa, no Ministério Público, nas polícias, na máquina da prefeitura, nos colaboradores, alguns eu não tinha tanta proximidade, me aproximei. Saio muito feliz, muito convencido de que fizemos o nosso dever.