Gang​ues se misturam a camelôs para atacar as pessoas no Brás, uma das maiores áreas de comércio popular de São Paulo. Vítimas normalmente são espancadas. Fim da Operação Delegada na região favorece o crime.
Em ação: ladrão (com camisa da seleção argentina) rouba idoso em meio à multidão. Imagem: TV Globo

Em ação: ladrão (com camisa da seleção argentina) rouba idoso em meio à multidão. Imagem: TV Globo

Terra de ninguém. Este é o cenário atual do Brás, uma das principais áreas de comércio popular de São Paulo, para onde milhares de consumidores da Capital e do Interior do Estado se deslocam diariamente. Quatro telejornais da TV Globo (SPTV 2ª Edição, Jornal Na cional, Bom Dia Brasil e SPTV 1ª Edição) mostraram, nestas terça (28) e quarta-feira (29) como gangues estão se infiltrando entre camelôs que atuam ilegalmente na região para praticar assaltos, a maior parte deles de forma violenta. Entre as quadrilhas que operam ali há uma só de mulheres e outra que se tornou conhecida como “gang​ue do gogó”, por aplicar “gravatas” em suas vítimas.

O Brás foi uma região segura até pouco tempo atrás, quando se beneficiou da chamada Operação Delegada, implementada em áreas de grande fluxo de pessoas na gestão do ex-prefeito Gilberto Kassab. Por meio de um convênio firmado entre a Polícia Militar e a Prefeitura, PMs fardados trabalhavam em seus dias de folga e recebiam do município. Tinham competência administrativa para atuar, inclusive, contra o comércio ilegal.

Segundo o deputado estadual Álvaro Camilo (PSD), comandante-geral da PM no Estado de São Paulo quando a Operação Delegada foi implementada, na época cerca de 300 homens eram mobilizados só na região do Brás. “Hoje a Delegada foi descontinuada ali, não existe mais”, diz. Em toda a cidade, a PM chegou a colocar, na gestão de Kassab, até 4.600 policiais na rua. Hoje, segundo informações da Secretaria de Segurança Pública para a TV Globo, são 1.400 homens.

Gangue do gogó: vítima é imobilizada pela garganta (à dir) enquanto tem seus pertences roubados. Imagens: TV Globo

Gangue do gogó: vítima é imobilizada pela garganta (à dir) enquanto tem seus pertences roubados. Imagens: TV Globo

As reportagens exibidas revelam desordem urbana e falta de policiamento em um espaço entre o Largo da Concórdia e a avenida Rangel Pestana. Repórteres da emissora passaram dois dias registrando a atuação das quadrilhas. As imagens impressionam pela ousadia e a violência que empregam em suas ações. Em um dos assaltos, na Praça da Concórdia e a plena luz do dia, um rapaz é espancado por quatro homens. Caído, leva socos e chutes na cabeça. Os ladrões levam tudo o que ele tem dentro de uma sacola.

Em frente à praça, na calçada onde os ambulantes que não têm licença da Prefeitura para vender estendem suas lonas azuis no chão, outra quadrilha usa uma tática diferente: seus integrantes cercam a vítima, de maneira a parecer que ela está no meio de uma aglomeração, para bater a carteira. Quando há reação, os ladrões partem juntos para cima da vítima e a agridem.

Os repórteres da Globo flagraram, também, uma quadrilha de mulheres tentando assaltar senhoras. Elas são apoiadas por homens, que ficam na retaguarda para o caso de haver reações. A mais agressiva dessas quadrilhas, contudo, é a chamada “gangue​ do gogó”, que ataca à noite. Ela age sempre da mesma forma: um dos integrantes dá uma “gravata” (golpe que imobiliza, pelo pescoço, a vítima), enquanto o resto do grupo rouba e algumas vezes ainda agride a pessoa. Alguns assaltantes chegam a se disfarçar de camelôs, com lonas estendidas no ch​ão  e mercadorias sobre elas para facilitar a ação.

Coronel Camilo:

Coronel Camilo: Quando a Operação Delegada foi implementada, cerca de 300 homens eram mobilizados só na região do Brás.

O deputado Coronel Camilo aponta a desordem urbana no Brás como o principal problema da região, o facilitador para a intervenção dos assaltantes. “O ambiente que existe ali é muito favorável a isso”, diz ele. Camilo lembra da Teoria das Janelas Quebradas, desenvolvida pelos americanos George L. Kelling e Catherine Coles, segundo a qual um ambiente degradado estimula mais degradação. “Então, não se pode deixar lixo acumulado, camelôs sem licença ocupando o espaço urbano”, diz. “Isso tudo é a falta de intervenção do município. O que foi feito na gestão anterior, como a Lei Cidade Limpa e a Operação Delegada começou se perdeu”.

Camilo lembra que a presença policial também é importante, mas ela é complementar. “A Polícia Militar não pode agir contra o camelô, por exemplo, porque esta é uma competência administrativa”, aponta, lembrando que quando a Operação Delegada atuava no Brás os PMs tinham este mandato. “Depois de enfrentada a desordem urbana, aí sim o aumento do policiamento vai agregar valor”, diz.