De acordo a Cedae, a captação no Rio Jaguari provocaria reflexos no abastecimento de água de cidades do Sul e do Norte Fluminense, além de comprometer a irrigação de lavouras.
Represa de Igaratá, no Vale do Paraíba.

Represa de Igaratá, no Vale do Paraíba.

O Globo

Um dia depois de o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), pedir à presidente Dilma Rousseff autorização para captar água da bacia do Rio Paraíba do Sul, a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Estado do Rio (Cedae) alertou para os riscos da proposta. De acordo com a área técnica da empresa, a captação no Rio Jaguari, um dos principais afluentes do Paraíba do Sul, provocaria reflexos no abastecimento de água de cidades do Sul e do Norte Fluminense, além de comprometer a irrigação de lavouras e aumentar a chamada língua salina, que já atinge a foz do rio, em São João da Barra.

A língua salina é o fenômeno natural de invasão da água do mar no curso do rio, que destrói as margens e aumenta a salinidade da água, impedindo o seu uso na agricultura. Na capital fluminense, a redução do volume d’água do Paraíba do Sul prejudicaria empresas de grande porte que fazem a captação direta do Rio Guandu. Entre elas estão a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), a siderúrgica Gerdau e a Termelétrica de Santa Cruz, todas na Zona Oeste do Rio.

A bacia do Rio Paraíba do Sul já abastece cerca de 15 milhões de pessoas, cerca de 8,5 milhões só na Região Metropolitana do Rio. Pela lei, em caso de crise no abastecimento de água, o fornecimento à população é prioritário. Como possui a outorga do uso da água, a Cedae detém a prioridade.

Transposição socorreria Cantareira

Em nota, o secretário do Ambiente do Estado do Rio, Indio da Costa, manifestou preocupação com a proposta. Segundo ele, estudos do Comitê da Bacia Hidrográfica do Paraíba do Sul, ainda em elaboração, apontam que já há problemas para captação de água no período de estiagem: “A segurança hídrica do Estado do Rio é fortemente dependente da Bacia do Rio Paraíba do Sul, responsável pelo abastecimento de mais de 11 milhões de habitantes e pela sustentação de parcela expressiva da atividade econômica do estado.”

A proposta de Alckmin é fazer a transposição no Rio Jaguari, afluente do Paraíba do Sul, na cidade de Igaratá. Um canal seria construído para integrá-lo à Represa do Atibainha, do Sistema Cantareira, que abastece a Grande São Paulo. Essa adutora teria de 15 a30 quilômetros. Pelo fato de o Paraíba do Sul ser um rio federal — passa por São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro —, há a necessidade do aval da presidente à proposta.

A disputa entre Rio e São Paulo pela água do Paraíba do Sul se arrasta desde 2008, quando o governo paulista intensificou estudos para a transposição. Desde então, cidades do Sul e do Norte Fluminense se mobilizam para evitar a mudança. Em maio de 2010, uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado do Rio, reunindo representantes de municípios, governo do estado, Alerj, Igreja Católica e ambientalistas, terminou aprovando parecer contrário à proposta.

A maioria das cidades do Sul e do Norte Fluminenses é abastecida por pequenos consórcios de água. As empresas têm no Paraíba do Sul sua principal fonte de captação. O anúncio do governador paulista provocou na quarta-feira reações. O prefeito de Volta Redonda, Antonio Francisco Neto (PMDB), mencionou a possibilidade de entrar na Justiça para tentar impedir a captação caso exista algum risco de o abastecimento do município ser prejudicado.

Para ele, a discussão deve permanecer na esfera técnica. De acordo com o prefeito, há pelo menos seis anos discute-se a possibilidade de os paulistas fazerem captação de água no Rio Paraíba do Sul. Mas técnicos da prefeitura são contrários.

— Essa é uma questão que não pode ser analisada pela esfera política. Qualquer que seja a decisão, ela tem de ser técnica. No verão deste ano, em Volta Redonda, já tivemos problemas de abastecimento em alguns bairros — disse Neto.

A avaliação do prefeito de Barra do Piraí, Jorge Babo (PPS), é semelhante:

— A cidade não tem problemas de abastecimento. Mas qualquer discussão sobre o assunto tem que ser técnica. É preciso levar em conta não apenas as necessidades, mas o futuro. Qualquer decisão só pode ser tomada se houver análise do impacto sobre o Sul Fluminense pelo menos até 2040.

Na avaliação do secretário Indio da Costa, mesmo que São Paulo construa reservatórios para aumentar a disponibilidade hídrica nas cabeceiras do Rio Paraíba do Sul, a captação adicional de água pelo estado vizinho pode levar a problemas de abastecimento, como temem os prefeitos, em especial durante o período de seca, quando não é possível contar com a capacidade máxima dos reservatórios.

Em Campos dos Goytacazes, no Norte, a falta de chuva no Sudeste reflete na calha do Paraíba do Sul. O rio apresenta, no momento, trechos com o nível de água bem abaixo do normal. No Centro, há partes assoreadas, e pequenas ilhas se formaram. Há reflexos também em cidades mineiras.

O Paraíba do Sul é o principal afluente do Guandu, que abastece o Rio, Baixada Fluminense e parte da Região Metropolitana. Segundo a Cedae, inicialmente nessas áreas o fornecimento de água não seria comprometido em função de o sistema receber a transposição do lago da hidrelétrica de Ribeirão das Lajes, em Piraí.