Guilherme Campos, ex-deputado federal pelo PSD, integrante do Espaço Democrático e diretor-financeiro do Sebrae-SP
Alterei o pronunciamento infeliz feito pelo jogador Ronaldo em 2013, quando disse que “não se faz Copa do Mundo com hospitais”, para chamar atenção e fazer um apelo. Uma pandemia como esta do novo coronavírus impõe dois desafios muito perversos para as autoridades e para a sociedade: o próprio combate a um vírus que se propaga de forma exponencial, que vai colocar à prova um sistema de saúde já deficitário em momentos sem crise, e o incalculável prejuízo, neste momento, para os trabalhadores que não contam com a segurança de um salário no final do mês. Neste grupo que se viu sem ter receita alguma do dia para a noite estão micro e pequenos empreendedores, profissionais autônomos, comerciantes e trabalhadores informais que dependem daquele ganho diário, seja para pagar funcionários no final do mês, seja para usar o dinheiro da venda do dia para comprar comida no supermercado.
Por mais que alguns setores defendam um liberalismo amplo, geral e irrestrito, agora o povo brasileiro precisa contar com as medidas de estado. Sempre fui liberal, mas em um cenário de caos iminente, como o que o mundo inteiro vai viver ainda por alguns meses, uma liderança de governo deve assumir a responsabilidade, deve estar no comando dos esforços e tomar medidas emergenciais para que um período de crise não seja a causa de uma situação irreversível no futuro. Essa é uma das funções para a qual um governante é eleito.
Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump anunciou que pretende enviar até US$ 1.000 a cidadãos americanos desamparados para reduzir os impactos da Covid-19 na economia. No Brasil, é absolutamente necessário tomar uma medida nesses mesmos moldes com urgência urgentíssima. Uma pandemia como essa do coronavírus vai matar pessoas nos hospitais, vai matar milhares de empresas, vai matar milhares de empregos e, na perspectiva mais extrema e dramática, vai fazer muita gente passar fome e não ter condição alguma para garantir seu próprio sustento e de sua família.
E de onde o País pode tirar dinheiro para gerar um mínimo de renda de forma imediata para essas pessoas sobreviverem? O Brasil terá que aumentar seu endividamento? Sim! Deve produzir papel moeda? Sim. Pode retirar recursos de financiamento para os partidos, pode fazer um desconto temporário de 10%, 20% ou o que for definido pelo período que for necessário nas super aposentadorias, aquelas acima de R$ 20 mil, para servidores públicos de todas as esferas – federal, estadual e federal, seja executivo, judiciário, militares, empresas públicas, enfim. Nesta hora não se pode ficar preso a índices de popularidade ou a interesses corporativos, pois o diagnóstico é grave e as pessoas que hoje estão sem chão devem ser priorizadas em relação às que contam com o privilégio de ter o dinheiro caindo na conta de forma certa todo mês. Elas devem receber dinheiro do governo sim!
Tenho 57 anos e já passei por muitos momentos de crise na minha vida. Lembro do meu pai e meu avô, comerciantes do centro de Campinas, convivendo com as incertezas após o golpe de 1964. A implantação do Plano Cruzado pelo governo Sarney, em 1986, foi uma prova de fogo para o comércio. Enquanto estive na presidência dos Correios tive que administrar um rombo de bilhões e, para contornar tamanha adversidade, tive que tomar medidas duras, impopulares, enfrentar manifestações etc. Tudo isso me fez ter a certeza de que há horas que ser julgado e tomar pedrada por fazer é mais recompensador do que fechar os olhos e não fazer nada.
Portanto, agora o Brasil precisa de líderes que enxerguem os problemas não só da perspectiva da saúde, mas também da dignidade das pessoas. Que saiam do digital e venham para o real. O Twitter não vai colocar comida na mesa de ninguém. Essa situação vai levar muita, mas muita gente a passar fome e, quando a crise do coronavírus passar, esse fundo do poço social será uma situação muito mais difícil de enfrentar. Rogo para que as autoridades chamem a responsabilidade e cumpram seu papel na assistência à população, porque só colocar Exército e forças especiais de segurança nas ruas é pouco, é caro e não terá o impacto esperado na mitigação de problemas. Momentos de crise exigem atitudes extremas e, num cenário sem precedentes como desta crise, as medidas devem ser extremíssimas. Vai doer agora, mas terá resultados no futuro.