Folha de S.Paulo
Na contramão dos indicadores de roubos, que só crescem, o Estado de São Paulo perdeu 3.000 homens de seu efetivo policial nos últimos dez anos e viu cair abaixo da média mundial sua taxa de policiais por habitantes.
Em 2005, o Estado tinha 314 policiais para cada cem mil habitantes. Hoje, essa taxa é de 282, abaixo da média mundial de 303 para cada cem mil pessoas, de acordo com dados compilados pela ONU (Organização das Nações Unidas).
Para efeito de comparação, a Itália, com 60 milhões de habitantes, tem taxa de 465 policiais por cem mil pessoas.
Em 2012, último dado disponível, os italianos conviveram com um índice de roubos de 105 casos por cem mil habitantes. Enquanto isso, São Paulo teve uma taxa de 608 casos de roubos por cem mil habitantes em 2013.
O levantamento, feito pela Folha e confirmado pela Secretaria da Segurança Pública, considera o efetivo das polícias Militar, Civil e Técnico-Científica. Ao todo, eram 123.156 integrantes nas três entidades em 2005, número que caiu para 120.103 agora.
O pior quadro é o da Polícia Civil, que perdeu 3.292 policiais nos últimos dez anos. Responsável pela investigações dos crimes, ela chegou a ter 32.809 integrantes em 2005, mas hoje tem 29.517.
Já a PM, que manteve o mesmo efetivo em comparação aquele ano, chegou a ter em 2006 mais de 3.200 homens a mais do que tem hoje.
Nesses dez anos, a população do Estado cresceu 8,6%: incremento de 3,4 milhões de pessoas. Passou de 39,2 milhões para 42,6 milhões.
FALHAS
Ao contrário dos homicídios dolosos, que podem estar ligados a fatores que fogem do controle da polícia (como crimes passionais), os crimes patrimoniais ocorrem por falha da polícia, dizem especialistas ouvidos pela Folha.
As estatísticas disponibilizadas pelo governo de São Paulo mostram a pouca eficácia do trabalho policial.
Os roubos, por exemplo, que vêm crescendo ano a ano, bateram recorde em números absolutos em janeiro e fevereiro deste ano: 52.261 casos.
Em relação ao mesmo período de 2005, quando foram registrados 33.894 casos, o crescimento foi de 54%.
Além disso, poucos desses roubos registrados são esclarecidos. O próprio governo estima que a Polícia Civil atualmente só consiga esclarecer apenas 2% dos casos.
O problema pode ser ainda maior. Pesquisas mostram que apenas três em cada dez vítimas de roubo registram Boletim de Ocorrência.
“Sabemos muito bem os motivos que levam a esse resultado insignificante, vergonhoso, lamentável. Nós não temos condições de investigar porque não temos efetivo. Nós viramos fazedores de B.O.”, diz a delegada Marilda Pansonato Pinheiro, presidente da Associação dos Delegados.
Ainda segundo ela, o crescimento da violência no Estado está ligado à falta de efetivo e de investimento. “Os 98% de crimes não representam a impunidade. Impunidade significa aumento da criminalidade, da progressão criminosa [crimes mais violentos], e isso tudo significa insegurança pública”, afirma.
Para o especialista em segurança pública José dos Reis Santos Filho, não existe um número ideal de policiais em relação ao número de habitantes porque isso depende da realidade de cada lugar.
“Vai depender muito, muito mesmo, de cada realidade concreta. Beirute, por exemplo, precisa hoje de um número de policiais muito maior do que nos tempos de paz.”
Para o especialista, porém, a redução de efetivo da polícia, e até a forma como os policiais são empregados na repressão dos crimes, interfere diretamente na qualidade do serviço prestado.
“Você tem mais população para cuidar e mais crime para investigar e prevenir”, afirma.
Secretário diz que Estado vai contratar mais policiais
O secretário da Segurança Pública de São Paulo, Fernando Grella Vieira, afirmou que o governo está trabalhando para aumentar o efetivo das polícias e, também, colocar mais homens no policiamento das ruas.
“O esforço está sendo feito a todo tempo. Na gestão atual do governo foram feitas mais de 12 mil contratações, de 2011 para cá”, disse.
Ainda segundo ele, hoje há 3.650 policiais nos cursos de formação e já foi autorizada a abertura de concurso para mais 10.590 vagas para todas as carreiras das três polícias.
Sobre a redução do efetivo nos últimos anos, Grella diz que parte se deve à saída natural de servidores. “Você sabe que tem carreiras que, em determinados momentos, sofrem evasão. Então, você não tem uma coisa estanque.”
Além disso, o secretário admite que o Estado tem dificuldade para acelerar a contratação de novos policiais porque eles precisam de preparação adequada e há uma limitação de vagas nas escolas de formação das polícias.
“Estamos com a capacidade máxima de formação das Polícias Civil e da Militar. Mesmo que quiséssemos contratar neste ano 5.000 homens, não daria. Como você vai fazer a formação? Formar inadequadamente, sem ter um tempo suficiente para adquirir toda a expertise?”.
Para ele, o esforço de contratação precisa ser feito durante anos até se chegar ao contingente ideal.
O secretário reconhece ainda que a redução do efetivo pode influenciar na eficiência da Polícia Civil, mas que não são apenas os “recursos humanos” que podem melhorar seu desempenho.
Isso também está ligado à maior disponibilização de ferramentas para investigação, como novos programas. Segundo Grella, isso está sendo feito em sua gestão.
Enquanto não consegue fazer as contratações necessárias, o governo tenta otimizar o efetivo já existente. Uma das medidas é a “Jornada Extraordinária”, em que PMs vão poder trabalhar nos seus horários de folga. Isso pode aumentar o efetivo das ruas em até 5.000 homens.
Outra medida foi acabar com a exigência de PMs parar guardar veículos roubados à espera da perícia, a não ser em casos em que tenha ocorrido um crime grave.
Crédito da foto: Vagner Campos/ GESP