Medicamentos são produtos de uso essencial e têm função social. Por isso, precisam ser tributados como tal. Foi o que defenderam os participantes do encontro realizado no último sábado (24) na Câmara Municipal de São Paulo, com o apoio da Academia de Medicina paulista, e que reuniu representantes de entidades médicas, planos de saúde, pacientes crônicos, associações de apoio aos familiares de portadores de doenças raras e graves, além de parlamentares da Campanha Nacional pela Redução dos Impostos nos Medicamentos.
Para o médico e vereador Marco Aurélio Cunha (PSD), organizador do evento, ao desonerar um medicamento, além de torna-lo mais acessível, o Governo dos estados não deixariam de receber suas receitas e tornariam a manutenção dos tratamentos mais baratos até mesmo ao Município. “O Governo teria menos gastos com as doenças crônicas, por exemplo. Ao não desonerar um remédio, pacientes que tiveram acidente vascular cerebral, hipertensos, ou até um diabético, que tem ulcerações e perda de membros, e que dependem da continuidade do remédio, custarão muito mais ao Município. O medicamento mais barato vende mais. Se a pessoa ficar sem dinheiro, vai interromper o tratamento, se tornando um paciente de risco ao Estado”, explicou Marco Aurélio.
Idealizador da Campanha Nacional de Desoneração Tributária de Medicamentos, o deputado federal Walter Ihoshi (PSD) vê como abusivo os 34% que incidem na compra dos remédios no Brasil, e acredita na possibilidade da redução. Ihoshi é vice-presidente da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (FACESP) e afirma que “politicamente é possível, e economicamente é viável”.
“O Brasil está desalinhado com outros países. Na média mundial o imposto sobre medicamentos é da ordem de 6%”, disse Ihoshi. “Em 2008, quando houve várias desonerações tributárias, como no caso dos automóveis, o estado do Paraná reduziu o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) dos medicamentos de 18%para 12%. Com isso, aumentou a acessibilidade para a população e triplicou a arrecadação”, acrescentou.
O Brasil é o país cuja tributação sobre seus remédios é a mais alta do mundo. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que a carga tributária representa mais de 30% no preço final do medicamento. Em países como Estados Unidos, Canadá e Reino Unido a tributação é zerada. Portugal, Holanda, Bélgica, França, Suíça, Espanha e Itália cobram no máximo 10%.
“No restante do mundo, os países têm uma política de alíquota muito pequena sobre os medicamentos, precisamente pela função social de um medicamento e pelo acesso do produto. A função de um tributo é promover justiça social o Estado precisa ter a capacidade de retirar um tributo de atividades menos importantes de parcelas mais favorecidas, e retornar para os bens essenciais e para as parcelas menos favorecidas”, defendeu a economista Maria Cristina Amorim.
Direito cidadão
Assessor jurídico Associação de Familiares, Amigos e Portadores de Doenças Graves (AFAG), Daniel Perchon afirmou que a discussão sobre o tema da desoneração está ligado estreitamente aos Direitos Humanos das pessoas. Já o Presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (SIMESP), Cid Célio Jayme Carvalhaes, cobrou ousadia dos parlamentares. Ronilson Silva, Coordenador do Conselho Estadual da Pessoa com Deficiência, pediu mais atenção aos 9 milhões e 500 mil deficientes físicos de São Paulo.
Affonso Renato Meira, Presidente da Academia de Medicina de São Paulo, considerou o remédio como “o instrumento do médico para construir a saúde”.
Comissão Especial
Até o final do ano passado, foram coletadas em mais de três mil farmácias e drogarias de todo o País, o equivalente a 2,7 milhões de assinaturas, que pediam a criação de uma comissão especial no Congresso Nacional para discutir os assuntos relacionados à questão.
As assinaturas foram entregues ao Congresso e ao Senado em março deste ano. Com isso, o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), determinou a criação da comissão. A indicação de parlamentares feita pelos respectivos líderes dos partidos já começou, e a previsão é de que até o final do mês de maio a comissão esteja instalada, pronta para iniciar os trabalhos.
O principal tributo que incide sobre os medicamentos é o ICMS, tendo uma alíquota de 18% em São Paulo e outros estados do País. Se fossem recuados até cinco pontos percentuais da alíquota, o impacto no bolso do consumidor já seria positivo. Para a economista Maria Cristina Amorim, que é professora titular da PUC-SP e autora do livro “Tributos e Medicamentos” (Cultura Acadêmica, 2012), sendo o ICMS um imposto cobrado sobre o consumo, “ele é por essência, um tributo injusto, porque atinge pessoas pobres ou ricas, com a mesma incidência. Nos últimos 10 anos os tributos cresceram mais do que o PIB (Produto Interno Bruto) do País e a inflação. Isso é assustador do ponto de vista dos princípios tributários, que são o desenvolvimento econômico e a justiça social”, afirmou a economista.
Maria Cristina acredita que a redução das alíquotas de impostos será alcançada por meio de estratégias gradativas. “Não creio que zerar a alíquota de um dia para o outro seja uma hipótese factível. Poderia começar por medicamentos cujos preços são controlados, depois avançar para os medicamentos de uso contínuo, que são os que produzem as maiores despesas, principalmente para a população idosa”, avaliou.
Medicamentos x Renda familiar
Cerca de 70% dos aposentados do Brasil recebem o equivalente a um salário mínimo (R$ 724, 00) de aposentadoria. São 6 milhões de idosos no estado de São Paulo, dos quais 1,6 milhão estão na capital. Conhecido como ‘Peninha’, Hélio Herrera Garcia, presidente estadual do Sindicato Nacional dos Aposentados, considera os impostos um agravante para a continuidade da vida da terceira idade, visto que “em alguns casos, o preço da medicação leva mais de 50% da aposentadoria”.
Paciente crônica desde os 25 anos de idade, Priscila Torres convive diariamente com os desafios da artrite reumatoie, uma doença inflamatória, debilitante e com localização variada. Causa dores e deformidades agressivas, sendo considerada incurável até os dias de hoje. O tratamento precoce pode prevenir deformidades e melhorar a qualidade de vida de quem convive a doença. A doença é considerada o segundo maior motivo de incapacidade para o trabalho, por se tratar de uma patologia crônica e de forte impacto socioeconômico, com altos índices de afastamento social e perda da qualidade de vida.
Para se tratar, Priscila que é coordenadora do Grupo EncontrAR, faz uso de uma terapia imunobiológica que, se fosse comprada no sistema privado, custaria aproximadamente R$ 28.000 por cada infusão. “O Ministério da Saúde não fornece todos os medicamentos para o tratamento da doença. Se o paciente quiser ter qualidade de vida, terá que fazer um investimento privado. Se você não comprar os medicamentos, vai sentir dor 24 horas por dia, e não vai conseguir levantar da cama ou fazer suas atividades básicas como escovar os dentes e pentear os cabelos. A artrite reumatoide é uma doença que não permite seleção na hora da compra”, completou Priscila.
A jornalista Caroline Salazar foi diagnosticada com endometriose, uma afecção inflamatória provocada por células do endométrio, que em vez de serem expelidas, migram no sentido oposto e caem nos ovários ou na cavidade abdominal, multiplicando-se, causando dores, sangramentos irregulares e até infertilidade nas mulheres. Caroline é representante do movimento que busca maior dedicação à compreensão doença e pontuou o alto gasto que uma paciente pode ter com a doença. “As dores incapacitantes que a endometriose causa pedem remédios que só uma caixa com apenas 28 comprimidos custa R$ 200”.