As relações entre o governo federal e o Congresso, as investigações sobre as acusações do ex-ministro Sergio Moro, segundo quem o presidente Jair Bolsonaro quis interferir na Polícia Federal, e a crise sanitária e econômica provocada pelo surgimento do coronavírus. Estes foram alguns dos temas tratados pelo presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, em entrevista ao jornalista Igor Gielow, publicada pela Folha de S. Paulo nesta quinta-feira (30). O ex-ministro das Cidades e de Ciência e Tecnologia também falou sobre os planos do PSD para as eleições municipais deste ano e para 2022.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista (íntegra aqui, para assinantes).
Qual a sua avaliação da crise política, após a saída do ministro Sergio Moro com os ataques ao presidente?
São questões diversas. Ficou claro que havia uma falta de entendimento entre o presidente e o ministro. Existe outro contexto, porque Moro personifica essa força-tarefa importante no combate à corrupção. Isso converge para uma decepção de parte da sociedade, que via nele o simbolismo de que o governo está combatendo a corrupção. O presidente Bolsonaro vai ter de fazer um esforço muito grande para mostrar que isso não era a ação de um ministro, mas de um governo.
Muitos políticos veem abuso nessa campanha. O sr. mesmo responde a uma acusação de caixa-dois em São Paulo. O sr. acha que Moro sai do governo como candidato a presidente?
É difícil alguém entender que Moro não tenha prestado bons serviços no Paraná, no campo jurídico. Daqui para a frente, ele vai atuar no campo político. Vai ter de mostrar sua vocação, suas propostas, sua equipe, o partido que ele vai abraçar. Difícil fazer avaliação enquanto não tivermos a definição de seus próximos passos.
Qual o impacto político da investigação do caso pelo Supremo?
Ela serviu para acalmar um pouco as instituições. A Procuradoria-Geral, com bastante inteligência e rapidez, acabou dando uma satisfação para a sociedade. Isso, na minha percepção, serviu para acalmar o país. Não é qualquer instituição que está investigando, é o Supremo. E demos a sorte de ter caído na mão de uma pessoa muito experiente, o ministro Celso de Mello. Não que os outros membros do Supremo não contem com o respeito de todos, mas o decano não tem arestas. Isso tudo contribuiu para que o problema fosse colocado no devido lugar, e todos nós esperamos a isenção da Polícia Federal, do Supremo, do Ministério Público, para que tudo seja esclarecido.
Moro acusou Bolsonaro de tentar interferir na PF, e o presidente acabou nomeando Alexandre Ramagem, pessoa próxima de sua família. Como o sr. vê isso?
É natural que haja relações entre aqueles que trabalham juntos. O importante é daqui para a frente. Existem cargos que impedem certas relações de intimidade, então minha preocupação é daqui para frente. Não é que eram amigos de infância, são pessoas que conviveram.
O caso acabou judicializado, com a liminar do Supremo suspendendo a nomeação, e Bolsonaro teve de recuar.
Tenho dito sempre, ao longo de minha carreira, que confio no Poder Judiciário e no Ministério Público. Vale ressaltar que esta judicialização, diferentemente da grande maioria, começa numa temperatura elevadíssima.
O sr. acha que a discussão do impeachment acaba sendo adiada?
Não é uma discussão qualquer, envolve o presidente. Acho que o Congresso, pelas declarações que eu vejo dos principais líderes, está agindo com sabedoria, manifestando a disposição de aguardar um pouco o andamento das investigações do Supremo. Não que o Congresso não tenha autonomia para fazer sua investigação, sua CPI, convocações. Mas, nesse caso específico, pelas circunstâncias, por estarmos na pandemia, é um gesto de sabedoria.
Como presidente do PSD, o sr. está de acordo com isso?
Nossas bancadas têm autonomia. Desde sua fundação, nunca fechamos questão, e também não será desta vez. Cada parlamentar tem direito de se expressar. Se eu fosse um parlamentar, no dia de hoje, não assinaria um pedido de CPI, daria um tempo para o Supremo.
CPI ou impeachment?
Qualquer uma das duas.
O Planalto tem buscado se aproximar de partidos. O que o sr. falou com o presidente?
A nossa conversa com o presidente é mais fácil porque somos independentes, então alguns parlamentares são mais próximos dele, outros mais distantes. Há algumas semanas, o ministro Luiz Eduardo Ramos [Secretaria de Governo] me ligou convidando para uma conversa. Ele marcou um café [no dia 15 de abril], inicialmente só nós e o presidente, depois com o líder [do PSD na Câmara] Diego [Andrade, MG] e outros colaboradores, conversamos sobre as preocupações com economia e saúde. Ele quis mostrar que o governo queria o diálogo, e nós aceitamos.
O diálogo inclui participação no governo, cargos?
Não. Em nenhum momento foi veiculada menção a cargos. Até porque como o partido é independente, ele não participa. Alguns parlamentares do partido, até por conta dessa independência, têm tido contribuição junto ao governo, sugerindo nomes para alguns cargos. Eu não tenho acompanhado. Não há nenhum problema em relação a isso.
O sr. não aceita que o PSD seja considerado parte do centrão. Por quê?
Se um colega seu nos procura e pergunta se nós somos do centrão e a resposta é não, é porque é não. Os outros partidos sabem que não integramos o centrão. Temos convergências e divergências. É apenas um conceito que o partido tem desde que fomos convidados e não aceitamos fazer parte do grupo. Não é desprezar qualquer que seja o partido, mas é que entendemos que um bloco único precisa de unidade jurídica, integração plena. Isso não existe. Isso enfraquece a imagem do partido. Não tem juízo de valor sobre o centrão.
Como o sr. vê a posição do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ)? Ele parece ter perdido controle sobre parte da tropa.
Eu entendo que a gestão do Rodrigo é muito boa. Aprovou matérias relevantes, atuou com discernimento e sabedoria em crises políticas. Nos últimos tempos, ele se distanciou do governo por dificuldade de diálogo com o presidente e com o Paulo Guedes (Economia). Em nada desmerece a gestão dele.
Bolsonaro é conhecido por ser de difícil trato com o Congresso. Isso muda?
Pelo que eu percebo nas últimas semanas, melhorou bastante a qualidade da relação do governo com o Legislativo. Uma disposição maior para o diálogo, um entendimento em relação a projetos.
O sr. é contrário ao adiamento das eleições municipais devido à Covid-19. Já reconsidera a posição?
Sou contrário, o que não significa que, se a pandemia continuar até o fim de junho, nós não precisemos colocar um pouco para a frente, 15 de novembro por exemplo. É muito ruim para a democracia mudar o calendário.
Como o PSD está se posicionando para o pleito?
Temos foco nas grandes cidades. Temos o Andrea Matarazzo em São Paulo e, como carro-chefe, a reeleição do prefeito Alexandre Kalil em Belo Horizonte. Nós já tínhamos presença forte na Bahia, no Paraná, agora Minas Gerais. Temos na presidência estadual o senador Carlos Viana, trazendo Kalil (ex-PHS), o senador Antonio Anastasia (ex-PSDB).
O sr. sempre foi visto como um grande pragmático, que nunca rejeitou alianças. Como vê o PSD em 2022?
As alianças vão acontecer cada vez menos. O PSD vai se esforçar para ter candidatos a governador e a presidente. A Executiva Nacional definiu cinco pré-candidatos que serão levados para as bases. São o líder no Senado, Otto Alencar (BA), o senador Anastasia (MG), o governador Ratinho Júnior (PR), que é candidato à reeleição, mas tem se firmado no plano nacional, e os deputados André de Paula (PE) e Fábio Trad (MS). Temos quadros.
Qual o impacto da pandemia sobre o processo político?
Existe uma radicalização muito grande entre quem entende que o isolamento deve ser total e aqueles que têm posição diferente. Eu me associo àqueles para quem o caminho da economia deve ser ditado por aqueles que são responsáveis pela saúde.
Defendo um isolamento mais radical até as primeiras semanas de maio, como [governador paulista João] Doria [PSD] e outros governantes.
O sr. vê atores emergindo dessa crise com mais destaque, como Doria?
Eu acho que as eleições presidenciais passarão a ser discutidas depois das municipais. Há um fato político novo que alguns não enxergam, a grande reforma política da proibição das coligações no pleito proporcional. Os partidos terão de investir na formação de quadros.
Acabou aquela fase de você participar de uma eleição com poucos nomes porque faz parte de uma coligação. Dessa maneira, falar em alianças antes de o partido definir essa estratégia vai ser complicado. Quem quiser inverter a equação vai quebrar a cara.
Com isso, o pleito de 2018 foi um fenômeno único?
Acho que cada vez mais vai ter uma redução do número dos partidos e, com isso, todos vão querer ter candidato a presidente. Vai ser difícil surgir um candidato de uma hora para outra. Não que Bolsonaro tenha feito isso, ele estava em campanha havia quatro anos. Mas diria que no mundo político foi uma surpresa a eleição dele. Esse tipo de surpresa vai ser mais difícil.
Nomes de fora da política, como o do apresentador Luciano Huck, ficam como?
Ele pode ser convidado por um partido, mas não vai se filiar num gesto de um dono de partido. Não haverá mais pequenos partidos. Só haverá médios e grandes. Ninguém consegue ser dono de um partido assim, apenas um bom líder. O Huck pode participar de um processo de discussão que poderá ou não acolhê-lo.
Como o sr. vê a esquerda nesse processo?
O PT mostrou que é um partido. Enfrentou e enfrenta uma crise e teve resultado bastante satisfatório em 2018. Na esquerda, o PSOL está consolidado e tem um grande líder que representa essa ideia radical de esquerda, o Guilherme Boulos.
Na direita, teremos o partido do presidente [Aliança pelo Brasil, ainda em formação], que vai chegar a 2022 elegendo uma bancada de 50 deputados federais. Seja porque é governo, seja porque a direita tem o seu espaço.
O resto não deve ser mais do que sete ou oito partidos [hoje são 30 com representação na Câmara].
O financiamento público sofre questionamentos. Ele veio para ficar?
O financiamento privado não deu certo. Defendo que não volte e, se voltar, as empresas não vão doar porque o financiamento foi criminalizado. A doação individual tem seus limites e, evidentemente, há aqueles sem recursos. A pergunta não é o que vai fazer com o Fundo Eleitoral. Se não houver eleições, é evidente que o fundo não será usado. Se houver, o fundo precisa continuar.
As campanhas deste ano não serão mais baratas, já que haverá restrições de movimentação e aglomeração ainda em vigor?
Vai ter que ter criatividade, mas tem de ter um mínimo de campanha. Nem todas as regiões do país têm candidatos com acesso a tecnologia. O contato com o eleitor, o corpo-a-corpo é importante. Por isso não afirmo que haverá eleições, eu espero que tenha. Se eu fosse parlamentar, esperaria até o último momento até definir.