
Jornal defende que a proposta seja abandonada ou vetada pelo prefeito Ricardo Nunes.
Edição Scriptum
Em editorial publicado na terça-feira (24), o jornal O Estado de S. Paulo considera como “evidente retrocesso” o projeto de lei recentemente aprovado em primeira votação pela Câmara Municipal de São Paulo que flexibiliza a Lei Cidade Limpa, que foi efetivamente implantada durante a gestão do prefeito Gilberto Kassab. No texto, o jornal defende que a proposta seja abandonada ou vetada pelo prefeito Ricardo Nunes.
Veja a seguir a íntegra do editorial do Estadão:
Os vereadores de São Paulo aprovaram recentemente um projeto de lei que flexibiliza a Cidade Limpa. A ideia é retirar o limite de até dois anúncios por edificação, liberar anúncios em vias, parques, praças, logradouros em geral, pontes, viadutos, muros, paredes e empenas cegas, entre outros equipamentos urbanos, e aumentar o tamanho dos anúncios em relação às larguras das fachadas dos imóveis. Na prática, as propagandas poderão ser até 200% maiores do que o permitido atualmente, e poderá ser aberta uma brecha para que anúncios cubram até 70% da fachada de um bem de valor cultural, ocultando os prédios históricos da metrópole. Ou seja, um desastre.
Essa investida contra a Cidade Limpa é de autoria do vereador Rubinho Nunes (União Brasil). À coluna Alice Ferraz, do Estadão, o parlamentar afirmou que quer “criar um cartão-postal para o mundo”, com os anúncios em painéis de LED. Propõe replicar o modelo da Times Square, de Nova York, com seus telões publicitários, na Avenida Paulista, na Avenida São João e na Rua Santa Ifigênia, para, em suas palavras, “modernizar as regras” e tornar São Paulo mais atrativa para investimentos.
Trata-se de evidente retrocesso. Em um manifesto publicado recentemente, o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) afirmou que o projeto de lei reverte os princípios centrais da Cidade Limpa e, “sob a roupagem de ‘modernização’, representa um risco iminente de desfiguração da cidade, de reintrodução massiva da poluição visual, de comprometimento da segurança e de fruição do patrimônio cultural”.
Nos últimos 19 anos, a Cidade Limpa ajudou São Paulo a construir a sua identidade como “uma cidade madura, que se respeita”, segundo a avaliação do urbanista Valter Caldana, coordenador do Laboratório de Projetos e Políticas Públicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Antes dessa lei saneadora, São Paulo vivia no caos visual, que destruiu a identidade arquitetônica e urbanística da cidade. Foi a Cidade Limpa que removeu outdoors, letreiros, faixas em postes, cavaletes das calçadas e sujeira de toda sorte que estavam espalhados por todos os lados. Até um zepelim que propagandeava uma marca de pneus foi proibido.
Mesmo com tantos resultados positivos, esse programa urbanístico que se tornou uma referência e ganhou o apoio dos paulistanos sempre enfrenta alguma ameaça. As irregularidades, por exemplo, são visíveis, muito embora no ano passado tenham sido aplicadas apenas 228 multas, ante 4,5 mil em 2011, auge das autuações, durante o governo Gilberto Kassab. Além disso, um projeto de lei que tentou liberar anúncios no topo dos prédios foi aprovado em primeira votação em 2020, mas foi abandonado após forte repercussão negativa.
O prefeito Ricardo Nunes garantiu que não apoia “em hipótese nenhuma” um projeto de lei que possa desfigurar a Cidade Limpa. E, como as reações começam a ganhar força, o vereador Rubinho Nunes afirmou que vai apresentar um substitutivo, em segunda votação, para restringir o projeto só às suas “Times Squares”. Com ou sem megalomania, na Câmara, espera-se que a proposta seja abandonada e, se aprovada, que o prefeito a vete.