"Dez entre dez estudos demonstram que investir na primeira infância gera retornos crescentes", afirma, em artigo, o ex-secretário municipal de educação de São Paulo.

Alexandre Schneider, ex- secretário municipal de Educação de São Paulo e coordenador do Conselho Temático de Educação do Espaço Democrático

 

Em meio a uma crise fiscal sem precedentes e sob a incerteza da interinidade do governo federal, o Brasil trocou o ministro da Educação pela sétima vez nos últimos quatro anos.

A despeito do risco de sugerir medidas a um governo interino, a ansiedade em relação às mazelas da educação pública, amplamente conhecidas, fala mais alto.

Equilibrar a relação entre os investimentos em educação básica e superior é o primeiro ponto a ser enfrentado. O país gasta hoje cerca de R$ 22 mil por aluno/ano no ensino superior público, enquanto o básico recebe R$ 5.500 aluno/ano.

A diferença é mais do que o dobro da observada na Coreia do Sul e quase duas vezes a de países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Chegou o momento de discutir com a sociedade brasileira a cobrança de mensalidade nas universidades públicas.

O Brasil convive com uma lógica em que o rico, por pagar boas escolas por 15 anos, tem muito mais chance de cursar o ensino superior gratuito. Ao pobre, o país oferece apenas programas de crédito. Claro que nem todos os alunos teriam recursos para pagar as mensalidades, mas a estes seria reservado o direito ao ensino gratuito.

O funil que decorre das iniquidades educacionais se constrói a partir da base. Os esforços para superá-las devem ser empreendidos desde cedo. É preciso avançar na criação de um programa que estimule a adoção de políticas intersetoriais destinadas à primeira infância em todos os entes federados.

Não há nada mais importante que garantir o desenvolvimento pleno de nossas crianças. Um imperativo moral, e também econômico: dez entre dez estudos demonstram que investir na primeira infância gera retornos crescentes.

Não se trata de reunir programas existentes sob uma nova bandeira, mas de avaliar o que existe e como o país pode, em todos os níveis, construir uma rede efetiva de desenvolvimento das crianças de zero a seis anos.

A Base Nacional Comum Curricular, uma medida importante para que se garanta a equidade educacional no país, deve ser priorizada. Depois de uma primeira versão exótica, houve avanços no texto.

O novo ministro da Educação, Mendonça Filho, acertou ao postergar a conclusão da base. Seria importante que, além de melhorar o que está proposto, a atual gestão se dedicasse a pensar no processo de implantação do currículo.

Como fazer com que os alunos se apropriem da base? Como orientar a organização de Estados e municípios, para que suas redes implantem os currículos a partir da base?

Essas questões não foram sequer colocadas na mesa até o presente momento. Mesmo que ao fim do processo se chegue a um texto de alta qualidade, o esforço despendido com a elaboração do currículo terá pouco efeito prático se tais perguntas não forem respondidas.

É necessário reorganizar o ensino médio. Flexibilizar o currículo, com menos disciplinas obrigatórias, dando ao jovem a oportunidade de escolher trilhas de acordo com seu projeto de vida. E promover maior integração da formação profissional de nível médio com as demandas de mercado.

Por fim, e não menos importante, os profissionais da educação. Não teremos nenhuma mudança no sistema educacional brasileiro sem investirmos na formação e no trabalho dos professores. Não basta a valorização simbólica da carreira, são necessárias condições que atraiam e mantenham talentos na escola.

Transição, transire em latim, significa “passar de um lugar a outro”. Cabe ao novo governo decidir se essa passagem se dará na direção de políticas capazes de resgatar a enorme dívida de nosso país com a construção de um sistema público de equidade educacional para todos.

Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo em 13 de julho de 2016.