O jornalista Carlos Brickmann aponta, em artigo publicado no site "Observatório da Imprensa", a falta de cuidado dos meios de comunicação ao publicarem denúncia anônima e sem provas divulgada pelo Ministério Público contra o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab. “Receberam matéria pronta das autoridades responsáveis pela guarda da documentação. E aceitaram com todo o prazer. De novo, confiaram nas autoridades, quando o jornalista deve sempre desconfiar”, escreve.

O jornalista Carlos Brickmann aponta, em artigo publicado no site Observatório da Imprensa, a falta de cuidado dos meios de comunicação ao publicarem denúncia anônima e sem provas divulgada pelo Ministério Público contra o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab. “Receberam matéria pronta das autoridades responsáveis pela guarda da documentação. E aceitaram com todo o prazer. De novo, confiaram nas autoridades, quando o jornalista deve sempre desconfiar”, escreve Brickmann. Leia o artigo.

Apareceu, virou manchete

Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação

O presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, confirmou no último dia 16 que será candidato ao Governo de São Paulo, tendo Alda Marco Antônio como vice e Henrique Meirelles na disputa pelo Senado. Seus adversários principais devem ser o atual governador Geraldo Alckmin, PSDB, que tenta a reeleição, e o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, PT, a quem Lula promete apoiar em pessoa, nos palanques, durante a campanha.

No dia seguinte, 17, Kassab estava nas manchetes, acusado numa rede de TV e em grandes jornais impressos de receber “uma fortuna” da Controlar, a empresa responsável pelo exame da poluição gerada por veículos na Capital paulista. Uma história estranha: uma testemunha sem nome dizia que a quantia era guardada na casa do então prefeito Kassab, e que um dia foi levada de avião para a fazenda de um amigo. Era tanto dinheiro, chegou a dizer a testemunha não identificada, que por causa do peso o avião quase não conseguiu levantar voo.

Agora, duas informações:

1 – R$ 4 milhões – uma fortuna, sem dúvida -, em notas de R$ 50, pesam entre 45 e 50 quilos, conforme sejam cédulas novas ou não. Multipliquemos por dez, dá R$ 40 milhões; no máximo, 500 kg. Um avião pequeno – por exemplo, um monomotor bem simples, dos mais baratos – pode transportar algo como uma tonelada e meia, o triplo disso. Quanto haveria de dinheiro capaz de dificultar a decolagem? Mais de meio bilhão de reais, para transportar numa só viagem? E talvez a quantia nem possa ter chegado a este volume e peso: como, de acordo com a testemunha, o dinheiro estava guardado no apartamento do então prefeito, os pacotes eram obrigados a caber no elevador. Ou, quem sabe, ser descidos pela janela, sem que ninguém percebesse qualquer movimentação fora do normal.

2 – Na véspera do dia em que a fortuna que quase impediu o avião de decolar virou manchete de grandes jornais e tema de reportagem de TV, Kassab foi absolvido da acusação de ter dado vantagem indevida à Controlar. Mataria as manchetes, portanto – a menos que a absolvição pelo juiz Luiz Raphael Nardy Lencioni Valdez, da 7ª Vara Criminal de São Paulo, fosse convenientemente ignorada para dar tempo de publicar a matéria já desmentida pelos fatos. E foi ignorada: só o ótimo portal Consultor Jurídico publicou na hora a notícia da absolvição (http://www.conjur.com.br/2014-jan-17/kassab-absolvido-acao-acusava-favorecer-controlar).

A imprensa escrita acabou divulgando a absolvição em suas versões online, mas longe, bem longe, de alcançar a repercussão das manchetes.

É curioso: os jornais e a TV, quando preparam uma manchete explosiva com acusações que estão na Justiça, não se dão ao trabalho de conferir o andamento do processo? É ruim. E é ainda pior se tiverem conferido e resolvido publicar a matéria assim mesmo – afinal de contas, já está pronta, já consumiu tempo e dinheiro, vai simplesmente para a cesta seção, um desperdício?

Na melhor das hipóteses, houve descuido. Na pior, não houve descuido: a reportagem foi publicada exatamente no momento em que seria ainda possível repetir o refrão tão criticado, mas tão copiado, do “eu não sabia”.

Exclusivo? Como, exclusivo?

Alguém tratou a história com alguma impropriedade. A rede de TV, ao divulgar a acusação, disse ter tido “acesso exclusivo” ao depoimento da testemunha. Mas a imprensa escrita divulgou matéria igualzinha.

Ou o depoimento foi exclusivo, e a imprensa escrita transcreveu o que saiu na TV sem se dar ao trabalho de citar a fonte, ou o depoimento não foi exclusivo, e a TV se vangloriou à toa.

O pauteiro de verdade

O mais importante no caso, do ponto de vista do jornalismo, vem agora: mais uma vez, os meios de comunicação receberam matéria pronta das autoridades responsáveis pela guarda da documentação. E aceitaram com todo o prazer. De novo, confiaram nas autoridades, quando o jornalista deve sempre desconfiar.

Leia a publicação original: 

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed782_apareceu_virou_manchete