Para o deputado, projeto da Prefeitura de São Paulo de mudar nomes de logradouros que homenageiam figuras do regime militar é "descalabro". "Tentar reescrever a história é um grande erro."

Coronel Álvaro Camilo, deputado estadual pelo PSD-SP e ex-superintendente da Polícia Militar de São Paulo

O escritor britânico George Orwell, no livro “1984”, criticou o comportamento dos ditadores que reescreviam a história. “Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado”. O que agora era verdade, era verdade do sempre ao sempre.

Agora, o governo municipal, com a parcial e irascível Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo, tenta assumir o papel do Grande Irmão orwelliano ao propor a mudança de nome de logradouros que homenageiam figuras ligadas à ditadura militar.

A escolha apressada dos nomes chegou até a incluir Euclydes de Oliveira Figueiredo, democrata, comandante de operações do Exército Constitucionalista de 1932 e vítima da ditadura de Getúlio Vargas. Provavelmente, o confundiram com seu filho, o general e ex-presidente João Batista de Oliveira Figueiredo.

Discordo das alterações por haver lei que regulamenta a mudança e porque a nomeação desses locais faz parte da história da cidade.

Quando vereador, agi para impedir esse descalabro. Igualmente, os membros da Comissão de Constituição e Justiça da Casa manifestaram-se pela ilegalidade do projeto de lei nº 177/13, que propunha a mudança do nome do elevado Presidente Costa e Silva para Minhocão.

O então prefeito Gilberto Kassab acertou ao sancionar a lei nº 14.454/07, que admite mudança de nomes de logradouros em três hipóteses: denominações homônimas, não sendo homônimas que apresentem ambiguidade de identificação ou que exponham moradores ao ridículo ou ainda que apresentem similaridade ortográfica, fonética ou fator de outra natureza.

Respeito a memória dos que sofreram na ditadura militar, mas também me solidarizo com as vítimas das ações armadas perpetradas pelos grupos de contestação ao regime contra o governo, caso do capitão Alberto Mendes Júnior, morto por terroristas no Vale do Ribeira na década de 1970. Não podemos ficar reescrevendo a história ao bel-prazer de quem está no poder.

Cidades europeias conservam nomes de logradouros por séculos, como é o caso da Via Ápia, em Roma. Em São Paulo, vivemos o contrário. As pontes das marginais, por exemplo, receberam nomes diversos do tradicional, complicando a localização dos usuários das vias.

Inicialmente, o processo legislativo de designação dos nomes desses logradouros seguiu todo o rito proposto pela legislação municipal. Qual a base legal ou moral para alterar-se um ato jurídico perfeito?

Outra questão. As mudanças irão atingir apenas os nomes vinculados ao regime militar? E os que, do outro lado, “resistiram à ditadura” e, para tanto, praticaram atos terroristas e pegaram em armas? Estarão, aparentemente, excluídos dessa revisão caolha?

Reinterpretar fatos passados de maneira simplista, sob a ótica e os valores do presente, é uma falta grave. Qual Getúlio Vargas mereceria ter nome de logradouro? O que foi ditador por 12 anos, implantou o Estado Novo, fez uso sistemático da repressão política e entregou Olga Benário Prestes aos nazistas?

Ou seria o “pai dos pobres”, modernizador do Brasil, responsável pela industrialização de áreas estratégicas e pela legislação que protege os trabalhadores?

Medidas como essa servirão para que as futuras gerações identifiquem pessoas que, vendo naufragar sua visão de mundo, tentaram remodelar o passado, contando os fatos segundo sua conveniência. Medidas como essa destroem a história de um povo e de um país.