Carlos Augusto Calil, ex-secretário municipal de Cultura e José Police Neto, vereador (PSD) em São Paulo
A reforma administrativa em pauta na Câmara Municipal de São Paulo prevê extinção, transferência e criação de unidades nas áreas de saúde, turismo, serviços públicos, cultura e investimento. A justificativa é singela: racionalidade e economicidade. Princípios louváveis, mas que não estão nítidos na proposta.
Uma reforma administrativa visa a tornar mais eficiente a gestão de determinada política. Há um vínculo entre objetivos, meios e modos de operar. Se a política de cada setor não é explicitada na lei, qualquer modelo é válido e igualmente ineficiente. Ideal seria que o projeto se desdobrasse em vários, por setor, de modo a vislumbrar um horizonte de metas, investimentos e perspectiva para então delinear a estrutura administrativa apropriada.
A discussão do projeto de lei pelos vereadores aborda temas díspares como a extinção do Serviço Funerário, da SPTuris e da Fundação Theatro Municipal, além da criação de agências de controle, entre outros.
A estrutura da Prefeitura de São Paulo é de longe a mais arcaica das três instâncias do Poder Executivo. Mantém um organograma que remete ao serviço público de décadas atrás, baseado na pirâmide de departamentos, divisões, seções. Se é positiva a iniciativa da prefeitura de aprimorar essa estrutura, no entanto incorre em dois equívocos: 1 – atualiza uma parte e mantém o resto em formato ultrapassado; e 2 – centraliza a gestão nas secretarias.
Secretarias e ministérios são instâncias que deveriam cuidar apenas das respectivas políticas setoriais. A operação da máquina pública se faz capilarmente, em instituições permanentes. Para isso, é preciso dotá-las de estruturas adequadas e autônomas. É o oposto do que ocorre na Prefeitura de São Paulo.
O Theatro Municipal possui um patrimônio inédito: duas orquestras, dois corais, duas escolas, um quarteto de cordas e uma companhia de balé moderno. E nunca explorou esse potencial. Ficou anos tentando se estabilizar como casa de ópera, sua vocação primeira e incontornável. Com a aproximação do centenário, em 2011, a administração dos prefeitos Jose Serra (PSDB) e Gilberto Kassab (PSD) vislumbrou a oportunidade de oferecer ao Municipal a condição de exercer plenamente sua vocação. O edifício foi restaurado e o palco, modernizado.
A autonomia, sonhada havia mais de 50 anos, foi finalmente alcançada, superando obstáculos políticos. A construção da Praça das Artes possibilitaria a convivência de escolas e corpos artísticos no mesmo espaço, oferecendo um conceito para o futuro do Theatro e de seus artistas: um centro de formação e divulgação das artes da música e do espetáculo.
Mas a administração Fernando Haddad (PT) se recusou a dar continuidade à obra da Praça e contratou uma organização social que, associada a um maestro atrabiliário, implantou uma gestão temerária no Municipal. Denunciada a corrupção, um interventor constatou os desvios financeiros e, no seu relatório, declarou que os problemas não eram advindos da estrutura da fundação, que nem sequer fora implantada.
O Municipal deveria acompanhar a evolução recente do Theatro São Pedro. Com uma administração capaz e tecnicamente sólida baseou sua atuação nas escolas e adquiriu respeitabilidade no campo lírico.
A Fundação Theatro Municipal, que a prefeitura ora quer extinguir, prevê uma gestão corporativa, com conselhos compostos com pessoal de fora e de dentro da casa para harmonizar os interesses dos grupos. Com estrutura leve, contando com apenas 35 cargos, combina administração direta e indireta numa parceria original e complementar. Apartar as escolas dos corpos artísticos é retrocesso. Acabar com a fundação e subordinar o Municipal à Secretaria de Cultura é voltar ao passado, sem perspectiva de futuro.
Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo em 4 de março de 2020.