Em artigo, jornalista critica medida da Câmara Municipal de SP de acabar com rodízio de veículos e explica por que é preciso avançar muito para reduzir os índices de poluição do ar na cidade.

Washington Novaes, colunista do jornal O Estado de S.Paulo especializado em meio ambiente

É inacreditável que a Câmara Municipal de São Paulo tenha aprovado em segunda discussão, votação simbólica – com apenas meia dúzia de gatos-pingados contrários -, e em apenas 50 segundos (Estado, 29/5), projeto que acaba com o rodízio de veículos na capital do Estado. Trata-se de projeto que estava praticamente parado desde 2006 e que o prefeito Fernando Haddad promete vetar (“Não entendi. Ninguém falou comigo. Eu vou vetar, claro”). O presidente da Câmara declarou que qualquer liderança poderia ter pedido votação nominal: “Se não pedir, eu faço votação simbólica”. E a liderança do PT acha que “foi um cochilo”. Mas se não houver veto, mais de 1 milhão de veículos poderão somar-se em todos os dias aos que já congestionam as ruas da cidade, por onde transitam mais de 7 milhões deles. E a votação travou também a tramitação do Plano Diretor (30/5).

É muito grave que isso tenha acontecido poucos dias depois de a cidade registrar o maior congestionamento de sua história, com 344 quilômetros, em dia de manifestações, protestos e greves, que já fazem parte do cotidiano. Medições feitas, por exemplo, no trecho Eusébio Matoso-Rebouças-Consolação mostram que a velocidade média no corredor de ônibus foi de 7,9 quilômetros por hora em 2013, ante 11,7 km/h em 2012, com redução de 32,4% (Estado, 7/5). Pouco mais do que um bom andarilho pode fazer, 5 ou 6 quilômetros por hora.

Na média, os congestionamentos já são de 60 quilômetros no pico da manhã, 50 quilômetros nos entrepicos e 110 quilômetros no pico da tarde. Mas vão ser postos mais veículos nas ruas com o fim do rodízio. Provavelmente para agradar aos eleitores insatisfeitos por terem de deixar o carro em casa, pagar táxi ou sujeitar-se aos atropelos no metrô ou nas filas de ônibus nesses dias de rodízio.

E continua o número brutal de mortes no trânsito em São Paulo – 1.152 em 2013, apesar de haverem caído 6%. Nova York, para sugerir uma comparação, registrou 247 no mesmo período (Estado, 20/3). Ou seja, na capital paulista morrem três vezes mais pessoas que na cidade norte-americana, quando se vê a relação de mortes por 100 mil habitantes.

Também é muito grave que tudo aconteça no momento em que a questão da inspeção veicular parece transformar-se em outro imbróglio. Leva a crer que, na melhor das hipóteses, cumprido um edital de licitação, a inspeção, se aprovada – terceirizada para quatro empresas -, vigorará apenas para veículos com mais de três anos de uso; só os reprovados pagarão taxas. E São Paulo e Rio de Janeiro ainda são duas das poucas cidades que vêm mantendo alguma inspeção veicular.

Há outros ângulos que serão afetados pelo número maior de veículos em circulação, principalmente o da poluição do ar. Esta já sofre a influência de termos no País mais de 230 mil caminhões em circulação com mais de 30 anos de uso (CNT, 26/11/2013). E que estão entre os que emitem mais poluentes, juntamente com os veículos que nem sequer se submetem a inspeção (alguns milhões todos os anos, segundo o noticiário); 89% desses caminhões são de propriedade de “autônomos”. Há algum tempo setores de governos pensam em tornar obrigatória a prática de entrega desses veículos a centros de reciclagem, que dariam aos proprietários certificado de que eles foram retalhados, além de R$ 30 mil para pagamento parcial de novo veículo. Mas é um projeto que não chega à prática – certamente para não desagradar a eleitores.

Enquanto isso, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) advertem (Folha de S.Paulo, 1.º/6) que os níveis de poluição da atmosfera em São Paulo continuam acima dos recomendáveis para a saúde humana. Os índices da OMS admitem até 20 microgramas por metro cúbico de ar para a média anual; São Paulo esteve com 35 microgramas em 2012, que resultam principalmente da queima de combustíveis. Diz o professor Paulo Saldiva, do Centro de Poluição Ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), que índices altos como esse podem ser associados à redução da expectativa de vida e ao aumento de doenças como o câncer. A poluição do ar matou 99 mil pessoas no Estado de São Paulo entre 2006 e 2011 (Agência Câmara de Notícias, 8/4). Só em 2011 foram 17 mil. E os gastos com internações motivadas por crises respiratórias e cardiovasculares chegaram a R$ 246 milhões no Estado – além de provocarem gastos correlatos de valor equivalente.

Outro relatório da OMS (Business Green, 8/5) assegura que pelo menos metade dos moradores de cidades no mundo respira ar poluído em “níveis perigosos”. A pior situação é na África, na América Latina, no Sudeste da Ásia, no Leste do Mediterrâneo, na China. Mas inclui também cidades do “mundo desenvolvido”, inclusive na Grã-Bretanha, onde o Partido Trabalhista assegura que ocorrem 29 mil mortes anuais, até mesmo em Londres, Chesterfield e outras. A China promete (Reuters, 10/4) aplicar US$ 1,65 bilhão para combater a poluição do ar, que tem levado com frequência a população toda de cidades a ser mantida em casa, sem sair para trabalhar. Pequim e Xangai estão entre as cidades mais poluídas do mundo. Já em 2010 pode ter ocorrido no país 1,2 milhão de mortes prematuras por essa causa (Piauí, abril).

Talvez consigamos reduzir um pouco os nossos índices de poluição atmosférica com a distribuição, pela Petrobrás, de gasolina com menor teor de enxofre (Estado, 12/1), em torno de 50 miligramas por quilo ou 50 partes por milhão (ppm). Uma redução de 94%, mas, mesmo assim, ainda estamos em nível pior que o da Europa (10 ppm) ou dos Estados Unidos (15 ppm) e até mesmo do Chile (também 15 ppm).

É um panorama que mostra com clareza que precisamos avançar com a inspeção veicular em todo o País, principalmente em São Paulo. E que na capital paulista não faz sentido o retrocesso de acabar com o rodízio uma vez por semana. Precisamos de mais, não de menos.