Editorial – O Estado de S.Paulo
O prefeito Fernando Haddad acaba de dar mais uma demonstração de que tem pouco apreço pela Lei Cidade Limpa, embora ela seja uma das melhores iniciativas dos últimos anos para melhorar a paisagem urbana da capital, porque a livrou da poluição visual provocada por anúncios de vários tipos e tamanhos que se multiplicaram sem controle. Dessa vez, são as escolas de samba que vão se beneficiar de brechas abertas na lei para permitir a colocação de anúncios no Sambódromo. O grave, além do fato em si, é o precedente que cria, ao abrir caminho para que outros setores reivindiquem vantagens semelhantes.
A Liga das Escolas de Samba poderá comercializar, durante o período de 27 dias – de 10 de fevereiro a 8 de março -, a instalação de faixas e painéis iluminados em 20% de área externa do Sambódromo. Decisão tomada pela Comissão de Proteção à Paisagem Urbana (CPPU) – que deveria levá-la a se perguntar se não é hora de mudar seu nome – permite que os anúncios sejam colocados tanto nas portas de entrada como no alto das arquibancadas, com vistas para a Marginal do Tietê e a Avenida Olavo Fontoura. O impacto visual dessa publicidade – melhor seria dizer a poluição que ela vai causar – pode ser avaliado pelo tamanho dos anúncios liberados. Ele irá de1 metro quadradoa32,8 metros quadrados.
O argumento usado pela Liga para driblar a lei foi o da necessidade de, com a venda dessa publicidade, angariar recursos para cobrir as despesas que as escolas têm com os desfiles. Argumento falacioso, porque, além de receber ajuda da Prefeitura – no ano passado foram R$ 800 mil para cada uma, o que não é pouca coisa -, as escolas ainda ganham bastante com a venda de fantasias e ingressos para ensaios, que chegam a custar R$ 30 nas vésperas dos desfiles.
Por isso, a defesa da medida, feita pelo vereador Antônio Goulart (PSD), que ajudou a Liga nas negociações com a Prefeitura, impressiona pela facilidade com que coloca o interesse particular acima do público: “A publicidade pode ajudar muito as escolas de samba, que enfrentam dificuldades financeiras, e não vai prejudicar a Lei Cidade Limpa. Mas acho que só 20% do espaço é pouco, apesar de importante”. A sede com que o sr. Goulart e seus amigos vão ao pote e a facilidade com que a Prefeitura abre a sua torneirinha mostram o tamanho do risco que corre a Cidade Limpa.
Antes de mais nada, já se viu que o que levou o prefeito Fernando Haddad a driblar a lei não foi a vontade de ajudar a preservar uma festa popular ameaçada por falta de recursos. Foi algo muito mais prosaico, rasteiro e pouco edificante – o desejo de cortejar as escolas de samba, o que os políticos estão sempre prontos a fazer em anos de eleição, ainda que à custa da Cidade Limpa.
Em segundo lugar, não convence também a alegação de que o drible à lei não a coloca em risco porque fica restrito a 20% da área externa do Sambódromo e por um período curto de tempo. De grão em grão a galinha enche o papo. E esse não é o primeiro grão. Logo no começo de seu governo, Haddad baixou dois decretos abrindo brechas na lei: um liberou os cartazes em cinemas e teatros, e outro autorizou ônibus e táxis a veicularem durante 30 dias uma campanha de incentivo ao uso de bicicleta.
Outro sinal inquietante é o afrouxamento da fiscalização da Lei Cidade Limpa. Foram aplicadas, de janeiro a agosto do ano passado, 226 multas por sua desobediência, um número muito, muito menor do que o de 2.265 referente a igual período de 2012. Alegar, como fez a Prefeitura, que isso se deve ao fato de as pessoas estarem demonstrando maior respeito à lei é fazer pouco da inteligência alheia. Principalmente porque é notório o inconformismo da maior parte dos afetados por ela.
Dentro desse quadro, de exceções que se multiplicam e baixa vigilância, é fácil de prever que vários outros setores também vão querer obter vantagens, e que a Prefeitura pode se mostrar “sensível” a essas demandas. Acrescente-se que há na Câmara Municipal nove projetos alterando para pior a Lei Cidade Limpa. O risco de São Paulo voltar a ser uma cidade suja, da qual ninguém tem saudade, a não ser quem ganhava com isso, é cada vez maior.