Editorial publicado em O Estado de S. Paulo, 27.05.2014
O colapso financeiro da Universidade de São Paulo (USP) é o desdobramento de duas outras crises que a maior e mais importante instituição de ensino superior do País vem enfrentando há anos. A primeira crise é de caráter institucional e diz respeito à falta de critérios claros e precisos para a definição de prioridades. A segunda crise é de caráter administrativo e decorre das amarras corporativas às quais os professores e os servidores se prendem. Essa é a opinião de conceituados professores da USP ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo, na edição de domingo.
“Voltamos a falar de orçamento. Mas os desafios vão além dessa conversa de verba, verba e verba. Penso que não faltam recursos, mas são muito mal empregados”, diz o professor emérito José Arthur Giannotti, usando argumentos idênticos aos apresentados pelo físico José Goldemberg (ex-reitor, ex-presidente da SBPC e ex-ministro da Educação), pelo químico Walter Colli (ex-integrante do Conselho Deliberativo do CNPq e do Conselho Superior da Fapesp) e pela antropóloga Eunice Durhan (ex-secretária Nacional de Educação Superior e ex-integrante do Conselho Nacional de Educação).
Lembrando que o orçamento de uma universidade pública deveria reservar até 80% para gastos com folha de pagamento e 20% para investimento, Giannotti, Goldemberg, Colli e Eunice afirmam que a USP não conseguiu honrar sua autonomia financeira e administrativa na gestão do reitor João Grandino Rodas. Essa autonomia foi concedida em 1988, quando o governo do Estado concedeu à Unicamp, à Unesp e à USP – então dirigida por Goldemberg – um repasse de 8,5% do ICMS (mais tarde aumentado para 9,57%). Entre 1988 e 2010, todos os reitores do período mantiveram a relação de 80% do orçamento para gastos com pessoal e 20% para investimentos.
O desequilíbrio das contas da USP ocorreu na gestão de Grandino. Quando assumiu a Reitoria, em 2011, a folha de pagamento consumia 78% do orçamento da USP. Quando terminou seu mandato, em janeiro, o índice era de 105,6%, o que obrigou seu sucessor, Marco Antonio Zago, a suspender obras, adiar contratações e congelar salários. “Desde os anos 50 não se via uma governança tão problemática”, diz o ex-pró-reitor de Graduação, Caio Dantas, depois de lembrar a resistência de Rodas a reportar suas decisões ao Conselho Universitário. Na entrevista ao Estado, Goldemberg lamentou não ter estipulado um teto para gastos com pessoal, quando a USP teve seu orçamento vinculado a uma fatia do ICMS.
A falta desse teto estimulou os sindicatos a reivindicar – sob ameaça de greves – aumentos salariais acima da inflação. Permitiu, especialmente na gestão de Rodas, a contratação indiscriminada de docentes e servidores. E levou dirigentes universitários a criar novas unidades sem planejamento, como é o caso do curso de Direito em Ribeirão Preto, a cerca de 90 km de um curso idêntico oferecido pela Unesp, em Franca. Qual o sentido de ter numa mesma região duas Faculdades de Direito sustentadas com dinheiro público?
Além desse problema, a USP cedeu ainda a pressões partidárias, criando campi em áreas que favorecessem eleitoralmente a agremiação que controla o governo estadual, o que levou o princípio do mérito a dar lugar a critérios políticos, nas decisões de expansão e de criação de faculdades e cursos. Tudo isso levou à burocratização da instituição, à acirrada sindicalização nas relações internas, ao declínio de qualidade das publicações acadêmicas e à opacidade e falta de rigor no processo decisório.
Para recuperar seu prestígio na comunidade acadêmica nacional e internacional, a comunidade uspiana tem de encarar as crises institucional, administrativa e financeira como uma oportunidade para reestruturar a universidade inteiramente, passando a controlar melhor os gastos, a contar com um processo decisório mais ágil e transparente e a redefinir prioridades com base no princípio do mérito. Concessões às corporações sindicais, às pressões partidárias e ao populismo acadêmico levam à desfiguração da missão da USP.