Embora as notificações de casos de febre amarela venham diminuindo nas últimas semanas, a doença, que apresenta alta letalidade, precisa ser acompanhada com muito cuidado pelas autoridades, que não podem descuidar das medidas de prevenção e nem deixar de lado os desafios apresentados pelo recente surto. O alerta foi feito nesta quinta-feira (22), durante debate promovido pelo Espaço Democrático (fundação do PSD para estudos e formação política) para tratar das ações necessárias ao enfrentamento da febre amarela no Brasil.
Coordenado pelo jornalista Sérgio Rondino e transmitido ao vivo pela página do Espaço Democrático no Facebook, o Encontro Democrático reuniu o médico Eduardo Medeiros, presidente da Sociedade Paulista de Infectologia e líder do Grupo de Pesquisa em Epidemiologia Hospitalar do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); o também médico Magno Sauter, secretário de saúde em Cotia, na Grande São Paulo: e Márcio Chaves Pires, secretário de saúde de Santo André, na Grande São Paulo, graduado em Administração, com especialização na FGV.
A íntegra do debate, em vídeo, pode ser assistida aqui
O infectologista Eduardo Medeiros, em sua palestra, rememorou a história da doença no Brasil, lembrando que ela chegou no século 17, vinda da África, com alguns surtos sendo registrados no País ainda naquele período e nos séculos seguintes. A febre amarela tornou-se epidêmica entre o final do século 19 e início do século 20, exigindo atuação firme das autoridades – com atuação destacada de cientistas como Osvaldo Cruz e Emílio Ribas, que combateram a proliferação do mosquito Aedes aegypti, responsável pela disseminação dessa e de outras doenças, como a dengue.
Com o surgimento da vacina contra a febre amarela, em 1937, e o esforço pela vacinação, a forma urbana da doença desapareceu no Brasil, com o último caso sendo registrado em 1942. “O surto que estamos vivendo agora é da forma silvestre da doença, que é transmitida pelos mosquitos dos gêneros Haemagogus e Sabethes aos humanos e macacos”, explicou Medeiros, segundo quem as causas desse ressurgimento ainda não estão bem claras, “mas provavelmente se devem à soma de vários fatores, sejam ambientais, econômicos ou sociais”.
Um dos motivos, disse, pode ser a mudança climática, que tem gerado mais calor e umidade e favorecido o aumento da população de mosquitos. “E também o desmatamento tem forçado os insetos a mudarem de hábitos, deixando as copas das árvores para viver mais próximos ao chão e aos humanos. São, enfim, vários fatores ainda não totalmente conhecidos”, afirmou.
Para ele, o mais importante nesse momento é manter o esforço pela prevenção, enquanto prosseguem os estudos sobre drogas e medidas para combater o vírus já instalado no organismo e também para controlar a incidência do mosquito transmissor. Entre as medidas de prevenção, ele destacou a importância de ações como vacinação, em especial nas áreas com alertas da doença, e notificação compulsória dos casos. Entre os desafios a serem enfrentados, citou a necessidade de se evitar a reurbanização a doença e a busca de soluções para reduzir a sua letalidade.
Por sua vez, o médico Magno Sauter, secretário de saúde de Cotia, graduado em Medicina pela Universidade Gama Filho, no Rio, relatou as ações adotadas pela prefeitura da cidade da Grande São Paulo para enfrentar a questão. Segundo disse, o município entrou em alerta em maio de 2017 e iniciou o combate ao surto com 70 mil doses de vacina fornecidas pelo Governo do Estado. “Contudo, a população não aderiu e conseguimos aplicar, no momento inicial, apenas 20 mil doses, embora tenham sido registrados quatro casos confirmados de macacos infectados na região”, contou, lembrando que a campanha de vacinação continua na cidade, com 25 Unidades Básicas de Saúde atuando em regime de mutirão e outras ações.
Para Márcio Chaves Pires, secretário de saúde de Santo André, também na Grande São Paulo, que foi vereador e vice-prefeito em Mauá e secretário municipal nas cidades de Diadema, Mauá e Araçatuba, além de diretor executivo do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, “praticamente todo o Estado de São Paulo é hoje área de risco e precisamos buscar a ampliação da cobertura vacinal”.
Ele lembrou as dificuldades enfrentadas em Santo André. “Quando surgiram os alertas sobre o aparecimento da doença, passamos de uma situação em que as unidades de saúde aplicavam de 20 a 30 doses de vacina por mês, em pessoas que pretendiam viajar para áreas de risco, para a necessidade de atender de 1.500 a 2 mil pessoas que faziam filas nas portas das unidades, de madrugada, buscando a vacina em razão das notícias na imprensa”, conta.
Nesse momento, não haviam vacinas suficientes em estoque para atender, mas quando as doses adicionais chegaram, “surgiram notícias dizendo que a vacina provocava mortes e houve um esfriamento da procura”. Com isso, a cidade dispõe hoje de 800 mil doses de vacina, mas só conseguiu aplicar 200 mil doses, um terço da meta, que era atender toda a população, de 605 mil pessoas.
Márcio Chaves Pires explicou que, mesmo com intensa campanha de conscientização sobre a importância da vacina, a média de aplicações caiu de 30 mil para menos de 3 mil nos recentes fins de semana em que foram realizadas vacinações em massa. “A procura está caindo em razão das notícias sobre diminuição dos casos, mas isso cria um grave problema para as autoridades, porque os sinais de que a doença está presente nas imediações de cidades continuam fortes. Hoje, praticamente todo o Estado de São Paulo é área de risco e precisamos buscar a vacinação de toda a população”, concluiu.