Em artigo publicado na Folha, vereador do PSD analisa votação do Plano Diretor e a política habitacional da cidade de São Paulo. Projeto de sua autoria possibilitou solução republicana em impasse que mobilizou trabalhadores sem-teto.

JOSÉ POLICE NETO

O MTST e a República

Boulos tentou ferir o Plano Diretor projetado por quem o apoia ao ignorar um de seus conceitos-base: o de moradias populares perto do trabalho

Em uma passagem marcante de “Os Sertões”, Euclides da Cunha destaca que a pregação em Canudos em relação à República não era uma posição ideológica ou política, mas a incapacidade de multidões, excluídas dos direitos sociais e do processo político, de se enxergarem no conceito abstrato da coisa pública.

Passado mais de um século, Canudos ressurge justamente quando Guilherme Boulos, a liderança-celebridade do MTST, vai à Câmara Municipal e à imprensa para afirmar que “nem a pau” seus liderados se submeterão às regras da fila de inscrição dos programas públicos de moradia e aos processos republicanos determinados em lei para definir quem será atendido.

Até a semana passada, o MTST defendia com unhas e dentes que fosse dado à Construtora Viver, proprietária da área ocupada em Itaquera, na zona leste de São Paulo conhecida como Copa do Povo, o enorme benefício econômico da valorização do terreno por meio da mudança de zoneamento.

Boulos fere o Plano Diretor projetado por quem o apoia ao ignorar um de seus conceitos-base: o de moradia popular perto do trabalho, dos serviços e dos corredores de transporte público –de preferência, em áreas centrais. Ignora que, com esse foco, a prefeitura resgatou –quiçá com novo nome– o programa Renova Centro, lançado na gestão Gilberto Kassab, que previa desapropriar mais de 50 prédios desocupados para moradia popular.

O preço da minha insistência em seguir as normas legais foi enorme. Houve tentativa de atear fogo a um boneco meu, e a cidade foi coberta com caros cartazes em papel de alta qualidade destinados a difamar meu nome. Fui atacado de todas as formas. Optei por suportar o peso do insulto a curvar-me, como os demais, a um líder que desconhece as leis e a minha trajetória política, dedicada ao direito à moradia popular e à construção de uma cidade justa.

Ironia da história, coube justamente a mim –o parlamentar vilipendiado por ser um dos poucos a não se curvar ao MTST– oferecer a formulação legal que permitirá a solução do problema de forma republicana. O projeto de lei de 2011 sobre retrofit social, de minha autoria, que prevê que edifícios abandonados ou subutilizados sejam transformados em habitação social, recebeu um artigo que garante a construção de moradias populares no terreno de Itaquera.

Em momento algum a virulência do ataque difamatório do MTST à minha história pesou contra a decisão de resolver o impasse. O homem público de que a República precisa toma decisões à luz da razão e da busca pelo que é melhor para a cidade.

Na última sexta-feira, quando tudo parecia resolvido, mais uma vez a liderança-celebridade do MTST tentou impor uma cláusula ao projeto permitindo ao movimento “furar a fila” da moradia. Boulos só baixou a guarda ao saber que a Justiça iria anular a eficácia da medida, caso houvesse chance para tal malandragem, por ser esta uma flagrante irregularidade. Finalmente, vereadores aprovaram submeter a decisão da demanda às normas legais e ao foro apropriado, o Conselho Municipal de Habitação.

O processo de aprovação da Copa do Povo, tal como foi construído, mostra que, ao contrário do que pregava Antônio Conselheiro em Canudos, a multidão é capaz, sim, de se inserir nas normas republicanas. O que aprovamos não foi a Copa do Povo do Boulos, mas a Copa do Povo Brasileiro.

JOSÉ POLICE NETO, 41, é vereador (PSD) e membro da Comissão de Política Urbana da Câmara Municipal de São Paulo. É autor da Lei municipal da Função Social da Propriedade