Embora ainda esteja numa situação muito mais confortável do que a vivida por países europeus, nos quais ondas cada vez maiores de refugiados chegam às fronteiras todos os dias, vindos de territórios em guerra ou abalados por calamidades, o Brasil está diante de um desafio que exige reflexão e, na medida do possível, ações rápidas. Trata-se da maneira como serão tratados os haitianos, africanos, muçulmanos e latino-americanos que buscam abrigo no País, fugindo da miséria, das catástrofes e dos conflitos que assolam suas regiões de origem.
Ela explicou que, diferentemente do que ocorreu no final do século 19 e início do 20, quando milhares de imigrantes chegaram ao Brasil atraídos por benefícios oferecidos pelo governo ou pela iniciativa privada, muitos estrangeiros que chegam agora se enquadram na condição de refugiados, que não têm condições de sobreviver em seus próprios países.
Soluções duradouras
Assim, continuou Rita do Val, diante da perspectiva da chegada de novas levas de imigrantes, é preciso pensar em soluções duradouras para o problema, desenvolvendo-se maneiras de oferecer a eles a possibilidade de integração, inserção no mercado de trabalho e acesso a serviços públicos, direitos, segurança e moradia. “Há questões como direito à aposentadoria e assistência social, pois parte dos recém-chegados é composta por idosos e pessoas sem qualificação”, contou.
Citando estatísticas oficiais, a palestrante contou que o Brasil tinha, em outubro do ano passado, 7.289 refugiados reconhecidos, de 81 nacionalidades distintas (25% deles são mulheres) – incluindo refugiados reassentados. “Os principais grupos são de nacionais da Síria, Colômbia, Angola e República Democrática do Congo”, afirmou, lembrando que “este perfil vem mudando gradualmente desde 2012, quando o País adotou uma cláusula de cessação de refúgio aplicável aos angolanos e liberianos, com base em orientação global da ACNUR, agência da ONU para refugiados”. Assim, desde aquele ano, estes estrangeiros estão recebendo a residência permanente no País, em substituição ao status de refugiado.
Os dados mostram também que a maioria dos solicitantes de refúgio vem da África, Ásia (inclusive Oriente Médio) e América do Sul. Indicam que o percentual de mulheres diminuiu de 20% (em 2010 e 2011) para 10% (em 2013), se mantendo estável em 2014. A metade dos solicitantes de refúgio é formada por adultos entre 18 e 30 anos. Apenas 4% dos pedidos são apresentados por menores de 18 anos, dos quais 38% correspondem a crianças entre 0 e 5 anos.
De acordo com Rita do Val, os números registrados no Brasil ainda são pequenos em relação ao que ocorre em países desenvolvidos e em especial na Europa. “A tendência é de aumento significativo, pois as restrições impostas pelos países europeus aumentam o fluxo para o Brasil, que ainda é visto por muitos como uma terra de oportunidades, uma nova América, como dizem”, contou a professora, lembrando ainda que, ao contrário de outras nações, no Brasil não é crime viver sem visto e é possível regularizar de forma relativamente fácil a situação legal do imigrante.
Refugiados no mundo
Para dar uma ideia da gravidade do problema, ela lembrou que, em todo o mundo, no final de 2012, haviam 45,2 milhões de pessoas deslocadas devido a guerras, perseguições, conflitos e violações generalizadas de direitos humanos. Desse total, 15,4 milhões são refugiados, sendo que 48% são mulheres e 46% são crianças e adolescentes com menos de 18 anos. “A população deslocada ao final de 2012 era maior em 18 anos”, completou.
Para a coordenadora nacional do PSD Mulher, Alda Marco Antonio, a situação descrita pela professora Rita do Val aponta para uma questão grave, que precisa ser equacionada rapidamente. Alda criticou a atuação do Brasil como líder da missão de paz da ONU no Haiti, por descaso com o fato de pessoas em condições de miséria estarem sendo vítimas de “coiotes” que os trazem de forma irregular para o País. “O Brasil tem que permanecer aberto a receber os refugiados, mas precisa se preparar para isso; são seres humanos que não estão recebendo aqui a ajuda que precisam”, afirmou.
Para o cientista social Túlio Kahn, colaborador do Espaço Democrático na área de segurança, a falta de preparo para o recebimento desses refugiados tem gerado inclusive reações injustificadas, como a associação automática da imigração com aumento da criminalidade. “Entre a população carcerária, por exemplo, o índice de estrangeiros é apenas pouco maior do que a participação de imigrantes no total da população”, disse.
Qualificação profissional
Rita do Val lembrou também que boa parte dos refugiados hoje no Brasil são profissionais qualificados, pois são os que têm melhor acesso às condições para deixar seu país e buscar uma vida melhor. “E este é outro problema que precisa ser corrigido, pois a lei brasileira dificulta o reconhecimento dessa qualificação e, com isso, esses profissionais não podem ser aproveitados em suas especialidades”, lembrou.
Renê Barrientos, presidente do Instituto de Culturas e Justiça da América Latina e do Caribe, que participou da palestra a convite do PSD Movimentos, comentou que a legislação brasileira sobre imigração foi elaborada na década de 1980, quando o País vivia sob uma ditadura e os estrangeiros que chegavam aqui eram tratados como adversários políticos. “O Brasil é o único do Mercosul que não permite o voto de estrangeiros residentes”, citou, concluindo que o País precisa compatibilizar a lei com a cultura da sociedade brasileiras, que é de acolhimento dos estrangeiros.